Por
Marcelo Constantino
Sem essa de que o Anaheim Mighty Ducks é um time vitorioso por ter chegado
aonde chegou. Não é. Isso é consolo. A coroação, por mais espetacular
que tenham sido os playoffs deste time -- e como foram! -- era título
da Stanley Cup. Infelizmente, toda a beleza da trajetória deste time
irá se apagar com o tempo. Os títulos sempre se solidificam na história,
os vices raramente.
Os Mighty Ducks devem sair orgulhosos desta temporada? Sem qualquer
sombra de dúvida. Mesmo derrotados, eles chegaram onde ninguém, absolutamente
ninguém, jamais imaginaria. "Anaheim Mighty Ducks, finais da Stanley
Cup? Só em filme da Disney", é o que qualquer um diria antes dos playoffs
deste ano.
Os Ducks não podem é sair conformados. O título era o grande gol, o
grande fecho, a chegada ao paraíso, a transformação de uma história
de filme de Hollywood em realidade.
Por que eles deveriam dar-se por satisfeitos por terem chegado ao jogo
7 contra os favoritíssimos Devils? Isso depois de uma campanha memorável
em que bateram o campeão Detroit Red Wings, segundo colocado na conferência,
por histriônicos 4-0, Dallas Stars, primeiro colocado na conferência,
por 4-2 e o surpreendente Minnesota Wild, por 4-0. Sim, é um conjunto
de fatores que deixaria qualquer azarão orgulhosíssimo. E deve deixar
mesmo. Mas agora é tudo consolação para um time que perdeu a final.
Triste final, apesar de tudo. Triste porque todos acreditavam que era
possível chegar lá. Todos. Não era como outros azarões do passado que
fizeram apenas figuração nas finais. O Anaheim podia ser campeão, chegou
ao jogo 7. Não era só esperança, havia sobretudo confiança. E sonho.
Um sonho inesperado que estava logo ali adiante.
Para mim, a mais definitiva imagem da tristeza da derrota estava na
cara de Jean-Sébastien Giguere após o jogo. Estacionado em seu gol,
Giguere chorava. Não havia ombro que o amparasse, não havia Troféu Conn
Smythe que o amparasse. Era o final lacrimejante do filme.
O goleiro-sensação desses playoffs fez uma pós-temporada absurdamente
fenomenal até as finais, quando sucumbiu à experiência daquele que é
o melhor goleiro da atualidade, Martin Brodeur. Nitidamente nervoso,
Giguere deu vários rebotes na série, e uma considerável parte deles
veio parar dentro do seu gol. Brodeur obteve três shutouts nas finais.
E daí? O Conn Smythe já era de Giguere de qualquer forma, antes mesmo
das finais começarem. O impressionante conjunto da obra já havia selado.
Muito embora Jiggy afirme, evidentemente, que trocaria quantos Conn
Smythes fossem por uma Stanley Cup, a justiça foi feita. Ao longo dos
playoffs absolutamente nenhum jogador foi mais importante para o próprio
time do que Giguere, que foi o quinto jogador na história a receber
o troféu estando no time que foi derrotado.
Foi provavelmente a última chance de dois grandes jogadores de hóquei:
Adam Oates e Steve Thomas. Oates fez o discurso do clichê óbvio: "Claro
que ficamos um pouco amargos, chegamos muito perto. Mas acho que temos
de sair de cabeça erguida porque chegamos ao jogo 7 e você precisa fazer
muita coisa pra chegar até aqui. Este time conquistou muita coisa."
Uma nova temporada desse tipo é possível, porém improvável. É como o
chavão do raio caindo duas vezes no mesmo lugar. Até pode cair, mas
vai acreditar... Não é que o Anaheim tenha saído desacreditado para
os playoffs. Desacreditados saem times que deveriam ser favoritos a
brigar pelo título, mas que não parecem que vão chegar longe. O Anaheim
parecia almejar apenas uma boa primeira fase, quem sabe surpreender
os temidos Red Wings. Ou seja, não era nada, seria um sparring para
verdadeiros concorrentes à Stanley Cup pelo Oeste.
Veio a surpresa para cima dos Wings e veio a confirmação do inacreditável
para cima dos Stars. A final de conferência, a mais improvável possível,
foi contra o Wild, time que eliminou outros dois favoritos, Colorado
e Vancouver, ambos em sete jogos e ambos saindo de um déficit de 1-3
na série. Poderia então a Surpresa II, o Minnesota, balançar os Ducks?
O escambau. Estraçalhadores 4-0 na série, com direito a permissão de
apenas um gol para o Wild. Memorável é pouco para qualificar a campanha
dos Ducks nos playoffs do Oeste este ano.
Vieram os longos dez dias de "folga" e as finais. Os dois primeiros
jogos, enfadonhos, facilmente vencidos pelos Devils. Os dois seguintes,
mais empolgantes, vencidos na prorrogação pelos Ducks. E os dois seguintes,
jogados de forma aberta como nenhum outro da série, com chuva de gols
e uma vitória para cada lado. E veio o jogo 7. Muito aquém da expectativa
naturalmente criada em torno de um jogo 7, é verdade. E muito semelhante
aos dois primeiros jogos da série, inclusive com placar idêntico.
Foi a primeira vez que vi uma boa quantidade de analistas apostando
no azarão das finais. Aqui na Slot os que apostaram nos Ducks foram
maioria, por exemplo. Isso não aconteceu quando outros patinhos feios
chegaram às finais, como Florida Panthers (1996), Buffalo Sabres (1999),
Carolina Hurricanes (2002) e, creio, os próprios Devils em 1995. Não
sei se podemos considerar o Washington Capitals de 1998 um azarão, mas
encaixa-se no mesmo caso.
De alguma forma o time conseguiu angariar simpatia e sobretudo respeito
ao redor da liga. Foi uma belíssima campanha.
Agora de nada adianta buscar saber o que faltou ao time no jogo 7. De
nada adianta chorar o leite derramado por não ter vencido o jogo 5,
paradoxalmente o que os Ducks estiveram mais próximos de vencer, dentre
os que perderam. "Nós nunca iremos superar isso", define Marc Chouinard.
"Mesmo quando formos avôs, vamos lembrar disso".
A emblemática frase do técnico Mike Babcock, logo após a varrida sobre
os Wings -- "Os deuses do hóquei recompensam aqueles que trabalham mais
duro" -- ainda perdura na minha cabeça. E é certo que os Ducks trabalharam
duro até o fim.
Era um sonho (quase) impossível, daqueles que você só verá mesmo em
filmes inverossímeis de Hollywood. Mas quase se tornou realidade.
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Marcelo Constantino já teve um sonho (quase)
impossível transformado em realidade: assistiu a um show do Led
Zeppelin no Rio de Janeiro. O nome era Jimmy Page & Robert Plant,
mas o som foi puro Led Zeppelin. |
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O RETRATO DA TRISTEZA Jean-Sébastien
Giguere observa a comemoração dos jogadores do New
Jersey Devils, que acabavam de conquistar mais uma Stanley Cup depois
da vitória por 3-0 sobre os Ducks no jogo 7 (Bill Kostroun/AP
- 09/06/2003) |
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CONSOLO PARA O INCONSOLÁVEL
Giguere teve seu trabalho recompensado com o Troféu Conn
Smythe, mas não conseguiu demonstrar qualquer emoção
pela conquista. "Eu queria o outro troféu", afirmou
(Gary Hershorn/Reuters - 09/06/2003) |
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