Edição n.º 49 | Editorial | Colunas | Jogo da semana | Notas | Fotos
 
6 de junho de 2003
Um dia triste para o hóquei

Por Rafael Roberto

Na quarta-feira da semana passada, no dia 28 de maio, o maior goleiro de todos os tempos decidiu encerrar sua carreira. "Estou me aposentando com o sentimento de ter feito tudo o que pude para ser o melhor", falou Patrick Roy na conferencia onde anunciou sua saída da NHL.

Roy se aposenta possuindo quase todos os recordes que um goleiro pode ter. Em seus 1.029 jogos de temporada regular, ele passou 60.235 minutos no gelo (o equivalente a 41 dias, 15 horas e 55 minutos) e conquistou 551 vitórias, sendo o único a conseguir mais de 200 vitórias jogando por dois times diferentes.

Os recordes continuam nos playoffs. Foram 247 partidas resumidas em 15.209 minutos e 151 vitórias, sendo 23 dessas com shutout. Roy também possui o recorde de vitórias consecutivas em jogos de pós-temporada (11 em 1993), a maior seqüência sem tomar gols desde 1926 (227 minutos e 41 segundos), foi o primeiro goleiro a conquistar dois shutouts em uma final da Stanley Cup (2001) e é o único jogador com três troféus Conn Smythe, concedido ao melhor jogador dos playoffs (1986, 1993 e 2001).

Depois de dezoito temporadas, pouco mais de dez com o Montreal Canadiens e quase oito com o Colorado Avalanche, e quatro Stanley Cups, Roy deixa o hóquei não só com números espetaculares, mas também com um legado e por isso pode ser considerado o maior goleiro que já passou pelos rinques.

"Ele influenciou toda uma geração de goleiros de Quebec", disse John Davidson, goleiro que jogou no New York Rangers e no Saint Louis Blues nos anos de 1970 e 1980. "Veja os dois goleiros que estão nas finais da Stanley Cup, ambos cresceram idolatrando Roy."

Assim como Jacques Plante, que revolucionou a posição de goleiros quando começou a usar máscara, Roy transformou o modo de se jogar entre as traves, não criando o estilo butterfly (que em português quer dizer borboleta), mas sim o aperfeiçoando ao hóquei moderno. Patrick também se adaptou a esse novo modo de jogar melhorando seu posicionamento na rede e estudando o modo como seus adversários chutam para não ficar tão dependente dos reflexos e da sorte. Agora, mais de 90% dos goleiros jogam desta maneira.

"Existem várias cópias boas de Roy, mas nenhuma é igual à original", disse Grant Fuhr, um dos melhores goleiros da história e vencedor de cinco Stanley Cups. Hoje Fuhr não é reconhecido como merecia porque não se aposentou no auge, como Roy está fazendo agora. Todos dizem que O Rei (Roy significa Rei em francês) poderia jogar mais uma ou, quem sabe, até duas temporadas.

Porém, um grande goleiro sabe a hora de parar; sabe que aos 37 anos seus reflexos não são mais os mesmos; sabe que a velocidade de seus movimentos só diminuem, aumentando as chances de tomar gols fáceis e diminuindo, assim, sua confiança. Por isso Roy decidiu que esta seria sua última temporada antes mesmo que ela começasse.

Outro legado que Roy deixa é a sua paixão pelo jogo e a vontade de vencer e de melhorar o modo como ele e todo o seu time joga, inspirando seus companheiros através de seus exemplos. Um fato que demonstra essa paixão ocorreu nos playoffs de 1994 quando um apêndice tiraria Roy da briga pelo segundo título seguido. Os médicos queriam operá-lo imediatamente mas Roy disse que a cirurgia não poderia ocorrer porque ele tinha um jogo contra o Boston Bruins naquela noite. Pois O Rei pegou uma ambulância, foi para o Fórum de Montreal, jogou a partida, voltou ao hospital para esperar o próximo jogo e só foi operado depois que o Habs foi eliminado no jogo 7.

Quando Roy chegou ao Avalanche, em dezembro de 1995, a franquia tinha uma fama de possuir um elenco talentoso mas que não jogava com a paixão de um clube vitorioso. Roy trouxe essa paixão na sua mala quando chegou em Denver e os Avs conseguiram sua primeira Stanley Cup numa atuação mágica do Rei no jogo 4 contra o Florida Panthers, onde ele conseguiu um shutout depois de defender 63 chutes em um jogo inteiro e mais três prorrogações.

Quando chegou em Denver, Roy também voltou a trabalhar com o seu primeiro agente e amigo, o gerente geral do Avalanche Pierre Lacroix. Juntos os dois construíram mais do que uma fortuna, construíram um franquia vitoriosa e tornaram-se os melhores em suas respectivas funções. Talvez eles sejam as melhores coisas que aconteceram para o Colorado, sem eles (ou pelo menos um deles) os Avs talvez não teriam conquistado nenhum título, quanto mais dois.

Agora esta parceria acabou. Roy abandonou o hóquei "sem chances de volta" segundo ele. A partir de agora vai passar mais tempo com a família, estará mais perto do Quebec Remparts, time que é um dos donos, e poderá voltar à NHL como gerente geral, se essa oportunidade lhe for dada. Já Lacroix permanece no clube, mas com um enorme problema: como substituir um goleiro do calibre de Roy?

"Vamos deixar as coisas bem claras", disse Lacroix. "Você não consegue substituir um Patrick Roy e o que ele representa. Portanto, nossa intenção não é achar outro Patrick Roy, mas sim dar chances para os jogadores mais jovens que vêm jogando pela nossa organização por anos". Com esse discurso ele deixou claro que o Avalanche deve procurar o substituto dentro do clube e David Aebischer e Phil Sauve são os primeiros nomes na lista.

Aebischer vinha sendo o reserva de Roy desde 2000 quando o substituiu com grandes atuações em alguns jogos devido a uma contusão do Rei. Depois de um 2001-02 na média, os números de Aebischer nesta temporada ficaram abaixo do esperado (7-12-0, sofrendo mais de 2.4 gols por jogo). Agora o jovem suíço sabe que terá uma boa chance de se firmar na NHL e não pode largá-la. Mesmo porque seu (principal candidato) reserva foi eleito o melhor jogador da American Hockey League (AHL) nesta temporada. Sauve, 23 anos e filho do agente de Roy, Bob Sauve, também pode ser considerado um possível titular.

Uma coisa que Lacroix também pode fazer é usar Aebischer como titular e contratar um reserva veterano para auxiliar e dar mais confiança ao suíço, já que ele vai jogar pela primeira vez sem a segurança de ter um Roy no banco para uma emergência. Fazendo isso, Sauve volta para o Hershey Bears, time filiado ao Avs na AHL, para ganhar mais experiência.

Lacroix ainda tem mais duas opções: ou contrata alguém no mercado de jogadores livres ou adquire algum por meio de troca. A primeira é também menos provável, uma vez que o gerente geral do Avs não tem a cultura de contratar jogadores dessa maneira. A segunda opção também se torna pouco viável porque o clube não tem mais uma variedade de jovens jogadores que possam ser trocados por grandes goleiros. O principal nome na lista de uma possível troca é o de Sean Burke, sempre um candidato a ser transferido devido ao seu alto salário num Phoenix Coyotes em crise financeira.

Independentemente de quem começar como titular no gol do Avalanche na próxima temporada, ele terá muito trabalho para preencher todos os espaços deixados por Roy. Pelo simples fato de ser Roy quem estava no gol os seus companheiros ficavam mais confiantes e relaxados para jogar porque, se algo desse errado na frente, eles sabiam que atrás tinha um goleiro que poderia consertar a falha.

"Depois que ele chegou tudo ficou um pouco estranho", disse o capitão Joe Sakic. "Você olhava pra trás e via Patrick Roy. Era difícil acreditar que ele estava do nosso lado. Ele era uma lenda em Montreal e agora estava conosco em Denver. Ele mudou várias atitudes que tínhamos como um time. Nós mudamos de um time que possivelmente venceria para um time que provavelmente venceria."

Roy também era um líder e uma inspiração. Dave Reid lembra que ele não era o tipo de jogador que fazia discursos, mas fez um depois que o Avalanche perdeu o jogo 6 contra o Los Angeles Kings por 1-0 nos playoffs de 2001. "Ele falou que estava chateado porque fez tudo o que podia como um goleiro para vencer o jogo mas nós não correspondemos e isso definitivamente chamou nossa atenção. Isto mostra a paixão que ele tem pela vitória."

É possível encontrar vários excelentes goleiros no hóquei hoje, mas poucos são muitos bons e fazem seus companheiros também jogarem bem e Roy conseguia fazer. Por isso o Rei dos Goleiros vai deixar mais do que um espaço vazio nas redes da NHL e um número aposentado em Colorado, ele vai deixar milhões de órfãos e um legado porque os grandes personagens têm esse poder de influenciar e mudar o hóquei e as pessoas quem o vivem.

Rafael Roberto faz suas as palavras de Lacroix: "Obrigado Patrick, você é um verdadeiro campeão."

 
  STANLEY CUPS Patrick Roy celebra mais um título da Stanley Cup. No total foram quatro, dois com os Canadiens e dois com o Avalanche. Por três vezes ele também foi eleito o melhor jogador dos playoffs (Arquivo The Slot BR)
   
 
  RIVALIDADE Já em Denver, Roy ajudou a criar a rivalidade do Avalanche com os Red Wings. Em uma das mais belas fotos de um goleiro em ação, Patrick aparece atuando contra o rival (Arquivo The Slot BR)
   
 
  RECORDISTA Patrick Roy possui quase todos os recordes que um goleiro pode ter. Nesta foto ele é flagrado comemorando a conquista do recorde de maior número de vitórias na história da NHL. Ao todo foram 551 vitórias, 104 a mais que o segundo colocado (Arquivo The Slot BR)
   
 
  CAMISA APOSENTADA Com a aposentadoria do craque e de seu número esta camisa nunca mais será usada no Avalanche. É uma grande perda para a NHL (Craig F. Walker/Denver Post)
Edição atual | Edições anteriores | Sobre The Slot BR | Contato | Envie esta matéria para um amigo
© 2002-03 The Slot BR. Todos os direitos reservados.
É permitida a republicação do conteúdo escrito, desde que citada a fonte.
Página publicada em 4 de junho de 2003.