Por
Eduardo Costa
Alguém pode estar se perguntando: "Com que moral esse mané
escreve uma coluna sobre Roy, sendo ele um torcedor do Detroit Red Wings?"
Bem, primeiramente tenho que justificar meu milionário salário
na Slot BR e fazer uma média com os editores, que pediram para
que cada um dos colunistas contribuísse com algumas linhas para
uma homenagem ao rei dos goleiros. Segundo, devido à grandeza
da revista e ao fanatismo que ela proporciona, não podemos nos
prender a clubismos. Por último, porque provavelmente não
teríamos uma rivalidade entre Wings e Avalanche tão acirrada
na última década sem a presença de Roy em Denver.
Por isso tudo, obrigado, Roy, pelas memórias. As ruins, como
as derrotas nos playoffs de 1996, 1999 e 2000, e, principalmente, as
boas, como a surra para Vernon, a briga com Osgood e as vitórias
nas pós-temporadas de 1997 e 2002 (nessa última, um agradecimento
especial). E vamos à minha contribuição.
Na última quarta-feira, em Denver, o mais vitorioso goleiro da
história da NHL anunciou que está encerrando sua carreira.
Patrick Roy, 37 anos, é considerado por muitos um dos melhores
goleiros da história do hóquei e o melhor goleiro em jogos
de playoffs da história da NHL.
O homem com o estranho hábito de falar com as traves deixa a
NHL como goleiro líder em vitórias (551) e partidas de
temporada regular (1.029), vitórias (151), shutouts (23) e partidas
jogadas (247) em jogos de playoffs. Durante esta última temporada
foi também o primeiro goleiro a ultrapassar a marca de 60 mil
minutos entre as traves. Com sua saída, praticamente morre também
a rivalidade entre Wings e Avalanche, já bem enfraquecida nos
últimos anos.
Roy estreou na NHL em 23 de fevereiro de 1985, numa partida contra o
Winnipeg Jets. Na temporada seguinte, sua primeira completa, foi eleito
para a seleção dos novatos. Mas foi durante uma tensa
partida nos playoffs de 1986, no Madison Square Garden, que Patrick
mostrou quão grande poderia ser. No jogo 3 da série contra
os Rangers, ele carregou (leia-se: 44 defesas) a equipe à vitória,
com direito a 13 defesas no período extra, uma mais fantástica
que a outra. Nesses playoffs liderou os Canadiens, que haviam ficado
na sétima posição geral da liga, a uma improvável
Stanley Cup.
A final contra o Calgary Flames foi vencida por contundentes 4-1, mas
com resultados bem parelhos, onde Roy fez a diferença. Como retribuição,
saiu do Saddledome de Calgary com o primeiro de seus três Troféus
Conn Smythe, isso logo em seu primeiro ano na liga, repetindo o histórico
feito de outro grande goleiro da gloriosa história dos Canadiens,
Ken Dryden. Roy passou a ser o jogador mais jovem (20 anos) a receber
o troféu, dado ao mais valioso jogador da pós-temporada.
Também passou a ser conhecido como o goleiro que caía
de joelhos no gelo para fazer suas defesas. Outros já faziam
isso antes, mas foi Roy que fez o estilo "borboleta" famoso
e usou com mais autoridade. Tanta autoridade que os dois finalistas
da Stanley Cup deste ano, Jean-Sébastien Giguere e Martin Brodeur,
são adeptos desse estilo e nunca ocultaram sua admiração
pelo "rei dos goleiros".
Nas seis temporadas seguintes, estabeleceu-se como um dos melhores de
sua posição na liga e venceu o Troféu Vezina como
melhor goleiro da NHL em 1989, 1990 e 1992. A equipe dos Canadiens mudou
muito durante esse período, e apenas Roy e Guy Carbonneau sobraram
da vitória de 1986 até a 24.ª Stanley Cup conquistada,
pelos Habs em 1993.
Na temporada de 1992-93, alcançou suas melhores marcas desde
a temporada de estréia. Mas foi novamente na pós-temporada
que ele elevou seu jogo. Obteve uma campanha de 16-4 e, o mais impressionante,
dez vitórias consecutivas em prorrogações, sendo
sete delas fora de casa. Venceu seu segundo troféu de melhor
jogador dos playoffs.
Nas finais, contra os Los Angeles Kings, a marca da eficiência
e arrogância de Roy veio após defender um chute no mano-a-mano
com Luc Robitaille, na quarta partida da série. Tomas Sandstrom
chegou na jogada, ávido pelo rebote, mas Roy não cedeu
e "congelou" o disco. Após isso, olhou para o sueco,
sorriu e piscou numa cena clássica, capturada pelas lentes de
todas as câmeras que cobriam a partida.
Em 1995 os Canadiens se ausentaram dos playoffs pela primeira vez desde
1970. Com o mau rendimento da equipe, o treinador Jacques Demers e o
gerente geral Serge Savard caíram e foram substituídos
por Mario Tremblay e Rejean Houle, respectivamente. Tremblay, antes
de assumir o comando da equipe, fazia parte do plantel de comentaristas
das partidas dos Canadiens e sempre se mostrou um ferrenho crítico
de Roy. Essas críticas criaram uma tensão entre os dois
desde o primeiro dia do técnico no vestiário da equipe.
O curioso é que na temporada de 1985-86 Tremblay era um dos defensores
que protegiam a meta de Roy.
A treta entre os dois veio realmente à tona em uma partida contra
o Detroit Red Wings, no Fórum de Montreal, em 2 de dezembro de
1995. Os Wings não venciam os Canadiens no Fórum desde
fevereiro de 1988, com sete derrotas e um empate até essa partida.
Em apenas um período e meio (para ser mais preciso, 31 minutos
e 57 segundos), Roy sofreu nove gols em 26 chutes. Antes de levar o
sexto, ele já olhava para Tremblay, num claro desejo de ser substituído.
Mas o treinador manteve-o no gelo, aumentando a humilhação.
Após sofrer o oitavo, Roy defendeu um disco fraco, o que deu
início a uma grande ovação de sua própria
torcida, obviamente com doses cavalares de sarcasmo.
Apenas após o nono gol sofrido, Roy foi retirado do gelo, para
a entrada de Pat Jablonski. Com fúria em seus olhos, patinou
até o banco, olhou para o presidente Ronald Corey, sentado atrás
do banco da equipe, e disse: "Esse é meu último jogo
pelos Canadiens."
A partida terminaria 11-1 para os Red Wings (com quatro gols de Slava
Kozlov), mas a real perda dos Canadiens seria muito maior. Roy não
apareceu para treinar no dia seguinte e foi suspenso por tempo indeterminado
por Houle. Poucos dias após a fatídica partida, ele era
trocado para o Colorado Avalanche. Após dez anos, duas Stanley
Cups, dois Conn Smythes e três Troféus Vezina, Patrick
Roy deixava Montreal.
Alguns diziam que seu ego já havia atingido um tamanho tão
grande que não cabia mais no Fórum; outros (a maioria),
que a culpa era do treinador, por não respeitar a maior estrela
da equipe, e de Houle, um gerente geral com apenas pouquíssimas
semanas no cargo. O fato é que a notícia chocou o mundo
do hóquei. Nenhum jogador era mais querido e idolatrado em toda
a província de Québec do que ele, ninguém representava
melhor as glórias da equipe tricolor do que ele.
O principal motivo para Roy ter escolhido o Avalanche como destino foi
o gerente geral da equipe, Pierre Lacroix, que havia sido seu agente.
A equipe de Denver mandou para Montreal Jocelyn Thibault, Martin Rucinsky
e Andrei Kovalenko. Mike Keane, capitão dos Canadiens na época,
também acompanhou Roy.
O Colorado Avalanche, bem pouco tempo antes Québec Nordiques,
tinha um belo núcleo, com jogadores capazes de fazer da franquia
uma das melhores da liga. O que faltava para ser um real candidato ao
título era um goleiro de impacto e atletas que soubessem o caminho
da vitória nos playoffs. Conseguiu as duas coisas com Patrick
Roy.
Com Roy na equipe, o time pôde se dedicar mais ao jogo ofensivo,
o ponto forte da equipe, já que passou a possuir um goleiro de
confiança atrás. O clube ficou atrás apenas do
Detroit Red Wings na Conferência Oeste. Como sempre, Roy guardou
seu melhor para a pós-temporada: 92,1% de defesas e média
de 2,10 gols sofridos por partida, além de três shutouts.
No caminho da Stanley Cup, ajudou sua equipe a eliminar o Detroit, que
até então estava fazendo uma campanha próxima do
perfeito, batendo diversos recordes da liga.
A final contra o surpreendente Florida Panthers foi vencida com relativa
facilidade. Sofreu apenas quatro gols na série, dando prejuízo
para os vendedores de ratos de borracha. O jogo 4 foi épico.
Foram necessários 104 minutos e 31 segundos de jogo e 119 chutes
até que um goleiro sucumbisse. Roy defendeu todos os 63 chutes
que o time da Flórida deu na partida, e o defensor alemão
Uwe Krupp venceu John "Beezer" Vanbiesbrouck com um chute
de muito longe. Em sua primeira temporada com o Avalanche, Roy já
conquistava o título, da mesma maneira que em sua primeira temporada
completa em Montreal.
No ano seguinte a equipe chegou novamente às finais de conferência,
só que, desta vez, como favoritos contra os Red Wings. Assim
como no ano anterior, o favorito não levou. Em 1998, foram surpreendidos
pelo Edmonton Oilers. Nos dois playoffs seguintes, a equipe morreria
na praia novamente nas finais de conferência, e contra o mesmo
adversário: os Dallas Stars. O calcanhar de Aquiles de Roy, suas
desastradas saídas do gol, chegaram a fazer com que uma considerável
parcela da imprensa pedisse sua cabeça.
A temporada de 2000-01 foi redentora. A equipe conquistou o título
de campeão da temporada regular e foi fundo nos playoffs, até
encontrar nas finais da Stanley Cup o New Jersey Devils. Seria o duelo
fantástico entre os dois melhores goleiros canadenses das duas
últimas décadas. Martin Brodeur contra Patrick Roy. Na
quarta partida da série, mais uma vez o goleiro falhou ao sair
de sua meta e não perceber a aproximação de um
jogador dos Devils em suas costas. Perdendo a série por 3-2 e
tendo que jogar na Continental Airlines Arena, casa dos Devils, Roy
foi fantástico, defendendo todos os 24 chutes dos adversários
e forçando uma sétima partida em Denver. No jogo 7, foi
vazado apenas uma vez e, com a vitória por 3-1 de seu Avalanche,
conquistou sua quarta e última Stanley Cup. De quebra, seu terceiro
Troféu Conn Smythe, um recorde.
Na temporada seguinte, atingiu seus melhores números como profissional,
com média de 1,94 gols sofridos e nove shutouts. Foi indicado
para os Troféus Vezina e Hart, mas perdeu ambos para José
Théodore. Nos playoffs, o Avalanche testou o coração
de seus torcedores. Antes de chegar às finais da conferência,
a equipe teve que vencer duas séries que foram a sete partidas
e em ambos os jogos 7 St. Patrick obteve o shutout. As finais de conferência
trariam novamente o duelo contra os Red Wings.
Roy teria a chance de atuar outro jogo 7? Os deuses do hóquei
nos dariam a chance de ver Hasek contra Roy numa partida sem precedentes
entre Wings e Avs? Roy daria o troco em Hasek pela derrota em Nagano?
Quem aumentou o preço da Skol para R$ 2,30?
A derradeira partida foi jogada na Joe Louis Arena e terminou com um
massacre de 7-0 a favor dos Wings, com o rei dos goleiros sofrendo seis
desses gols e perdendo o duelo para Hasek. Muito se falou em aposentadoria
após esse jogo, mas Roy atuaria mais um ano. Apesar do início
para lá de irregular em 2002-03, Roy não foi vencido em
26 de seus últimos 30 jogos, dando moral para o Avalanche nos
playoffs. Já na pós-temporada, a equipe foi surpreendida
pelo Minnesota Wild. Perdeu em sete partidas, após estar com
3-1 na série. Coube ao herói Andrew Brunette o último
gol sofrido por Patrick em sua carreira. Roy disse após a derrota
contra o Wild, que tinha 90% de certeza sobre seu futuro. Mas ao colocar
sua casa em Denver à venda e comprar uma na Flórida ano
passado já mostrava que a aposentadoria era certa.
Em suas oito temporadas em Denver, foram obtidos, além das duas
Stanley Cups, o recorde de nove títulos de divisão consecutivos
(o que inclui o título da Divisão Nordeste como Nordiques
em 1994-95, ainda sem Roy). A equipe chegou às finais de conferência
seis vezes. Quando ele saiu de Montreal, a equipe deixou de ser uma
das forças da NHL, embora não seja unicamente devido à
ausencia dele. O mesmo pode acontecer com o Avalanche. Agora é
a hora de ver como a equipe reagirá sem um de seus três
ícones.
Apesar de estar sempre entre os melhores em sua posição,
Roy foi ignorado pela seleção canadense durante as edições
da Copa Canadá de 1987 e de 1991, além da Copa do Mundo
de hóquei, em 1986. Ele finalmente representou seu país
durante as olimpíadas de inverno de Nagano, em 1998, quando perdeu
o duelo contra Dominik Hasek nas semifinais. Nas Olimpíadas seguinte,
em Salt Lake City, foi sua vez de recusar o convide da federação
de hóquei do Canadá.
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Eduardo Costa está perdendo as finais
da Stanley Cup porque a sua Sky pifou antes do jogo 1. Ele deu
três bicos no aparelho, mas isso piorou ainda mais as coisas. |
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SEGUNDA TAÇA, SEGUNDO MVP
Roy levanta a preciosa Stanley Cup em uma pós-temporada onde
venceu dez jogos em tempos extras (Ryan Remiorz/CP - 05/1993) |
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QUARTA TAÇA, TERCEIRO MVP
O terceiro Conn Smythe veio após vitória na sétima partida contra
os Devils, em 2001 (Ryan Remiorz/CP - 06/2001) |
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O ÍDOLO DOS ÍDOLOS
Com apenas 12 anos de idade, Jean-Sébastien Giguere posa
ao lado do já consagrado Patrick Roy (Gilles Lafrance/Journal de
Montreal) |
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