Por
Eduardo Costa
Apesar de ser considerado uma cara mau e de poucos amigos, o diabo já
recebeu algumas homenagens no planeta Terra. De algumas ele deve ter
se orgulhado, como por exemplo, quando os Rolling Stones compuseram
a fantástica Sympathy for the Devil ou o AC/DC as não menos brilhantes
Highway to hell e Hell's Bells. Na NHL ele foi lembrado
quando o super penalizado e sujo Dale Hunter, ganhou o belo apelido
de "príncipe das trevas". Mas quando alguém resolveu dar seu amaldiçoado
nome a uma das piores franquias da NHL, o Tinhoso não deve ter ficado
nada satisfeito.
O New Jersey Devils, hoje um dos mais vitoriosos e temidos times da
liga, já foi considerado uma desgraça pelo maior jogador (ou pelo menos
maior pontuador) da história da NHL, do qual ganhou o pouco prestigioso
apelido de organização, Mickey Mouse. Colecionou vexames e derrotas
históricas até alcançar um grau mínimo de respeitabilidade e, depois
de muito penar, chegar a vitória da Stanley Cup em 1995. Vamos tentar,
em poucas palavras (bem, nem tão poucas assim), lembrar esse episódio,
os primeiros sinais de melhora e dar destaque à primeira Stanley Cup
conquistada pela equipe de East Rutherford.
Antes mesmo de se transferir para Nova Jersey em 1982, a franquia colecionava
maus resultados e já havia mudado de cidade uma vez, de Kansas City
(KC Scouts) para Denver (Colorado Rockies). Em oito temporadas só havia
chegado à pós-temporada em uma. Seus primeiros anos na costa leste também
não foram nada animadores, mas um acontecimento em particular resume
toda a mediocridade que os Devils representava em seus primeiros anos
de vida.
Foi contra os fortíssimos Oilers, no Northlands Coliseum de Edmonton,
em 19 de novembro de 1983. No gol dos Devils, Ron Low, um velho conhecido
dos Oilers, onde jogou por quatro temporadas antes de ser mandado para
o "exílio" em New Jersey. Por mais que seus ex-companheiros gostassem
dele, eram profissionais com um dever a cumprir e golear os Devils era
obrigação naquela época. Nos primeiros dois períodos Low foi vazado
oito vezes.
O treinador MacMillan se sentiu na obrigação de poupar o goleiro titular,
e colocou Glenn "Chico" Resch para atuar no terceiro período. O ex-goleiro
do New York Islanders, e ídolo de nosso colunista Junior MecWhalers,
sofreu ainda cinco gols em vinte minutos. No final da partida os 13-4
significava a pior derrota da franquia, marca que dura até os dias atuais.
Mas o pior estava por vir. Na conferência de imprensa, Wayne Gretzky,
como sempre, era o mais assediado. A jovem estrela já havia atingido
o status de super jogador da NHL e já cultivava sua típica humildade,
mas nem mesmo ele pôde evitar a oportunidade para dar uma cutucada nos
pobres diabos.
Quando perguntado sobre o massacre que seu colega Ron Low tinha acabado
de sofrer, Gretzky respondeu que teve um momento na partida que não
tinha mais graça marcar ou comemorar os gols (Wayne contabilizou três
gols e cinco assistências na partida), em seguida disse que a simples
existência do New Jersey Devils embaraçava toda a NHL. "Seria melhor
eles pararem com a operação Mickey Mouse e colocar alguém no gelo".
Gretzky não esperava tanta repercussão em sua declaração, que ganhou
a primeira página dos principais jornais do eixo New York-New Jersey.
O New York Post foi o mais direto: "Gretzky: Devils are a Mickey
Mouse team" (Gretzky: Devils são um time de Mickey Mouse), O USAToday
não deixou barato e disse que os Devils receberam um "tapa na cara"
de Gretzky. O "Great One" pode ter sido cruel demais, mas os
Devils convidavam mesmo esses tipos de declarações, deixando o príncipe
das trevas mais vermelho do que de costume.
As temporadas seguintes seguiram nesse ritmo e o estigma do insulto
de Gretzky só fez aumentar o sofrimento. De positivo mesmo só os frutos
de recrutamentos, como John MacLean e Kirk Miller, que injetaram energia
na equipe, e a ascensão do defensor Ken Daneyko, que desde aquela época
já era um dos mais queridos pelos fãs. A situação começou a mudar quando
Lou Lamoriello substituiu Bob Butera no comando da equipe em 1987. O
novo gerente geral deu o cargo de treinador a Jim Schoenfeld que finalmente
deu à equipe um padrão de jogo.
Quando parecia que seria mais um ano fora dos playoffs entrou em cena
o goleiro Sean Burke. Recrutado pelos Devils em 1985, Burke ganhou uma
vaga na equipe após sua participação nas olimpíadas de inverno em Calgary
(1988) e logo se tornou um dos bons jovens goleiros da NHL. Ele foi
um dos fatores principais pelo primeiro ato de respeitabilidade da franquia,
e isso na temporada de 1987-88. Burke venceu dez de suas onze partidas
levando a decisão pela última vaga aos playoffs para o último jogo da
temporada regular.
New Jersey precisava de uma vitória sobre os Blackhawks no barulhento
Chicago Stadium para se classificar e eliminar, por tabela, Rangers
e Penguins. John MacLean marcou o gol de empate nos últimos segundos
do tempo regulamentar. Mas um ponto era insuficiente, e o mesmo MacLean
venceu o mini goleiro Darren Pang também nos últimos segundos da prorrogação.
Melhor que a primeira classificação aos playoffs desde a chegada a New
Jersey, era ver o rival do outro lado do rio Hudson eliminado da pós-temporada.
Fica até estranho escrever isso, mas "El Diablo" foi a Cinderela
dos playoffs. Primeiro eliminaram os favoritos Islanders em seis partidas,
em seguida despacharam também os Capitals em sete partidas (novamente
com um gol de MacLean na prorrogação fechando a conta). A corrida rumo
às finais para os Devils se encerrou apenas na sétima partida contra
o Boston Bruins. Foram derrotados por 6-2 no Boston Garden, mas pela
primeira vez a equipe deixava de se tornar sinônimo de mediocridade.
A temporada 1991-92 marcou a chegada à franquia de dois jogadores que
certamente terão seus números aposentados pelos Devils. Scott Stevens
chegou a New Jersey como mera compensação pela ida de Brendan Shanahan
como agente livre para o St Louis Blues e rapidamente se transformou
no líder da equipe. Entre as traves a equipe teve a chegada de Martin
Brodeur, também recrutado pela franquia. Estava se formando um elenco
de respeito. Só faltava um treinador de elite para fazer dos Devils
um candidato em potencial ao título.
E ele veio em 28 de junho de 1993. Jacques Lemaire, que como jogador
venceu oito vezes a Stanley Cup com os Canadiens, foi contratado por
Lamoriello para evitar novas quedas em momentos cruciais dos playoffs.
Junto a Lemaire chegou outro histórico ex-Habs, Larry Robinson. Como
estamos cansados de saber, Lemaire introduziu um eficiente sistema defensivo
chamado de armadilha da zona neutra. Os princípios desse sistema não
foram inventados por Lemaire, mas ele foi tão bem usado e aperfeiçoado
por ele que o mundo do hóquei o considera o pai da armadilha.
Os resultados apareceram rapidamente. Já em sua primeira temporada no
comando, Lemaire levou os Devils ao recorde de pontos na história da
franquia com 106, quase 20 a mais que a temporada anterior. Já nos playoffs
a equipe eliminaria os Sabres em sete partidas, numa épica batalha entre
Dominik Hasek e Martin Brodeur. Em seguida os Bruins em seis. Mas novamente
ficaram a uma vitória de chegar às finais.
Com vantagem de 3-2 na série, os Devils abriram uma vantagem de 2-0
na sexta partida, mas sucumbiram ao profético Mark Messier, que marcou
um hat-trick no terceiro período, e seu New York Rangers. No jogo sete,
os Rangers fizeram o 1-0 que durou até os segundos finais da partida.
Com a rede vazia em desespero, e com sete segundos por jogar, o russo
Valeri Zelepukin levou a partida para o tempo extra. Foi preciso mais
de uma prorrogação até que Stephane Matteau desse a vitória aos Rangers
num abarrotado Madison Square Garden. Os Devils permaneciam na sombra
do vizinho famoso, mas não por muito tempo.
A temporada 1994-95, encurtada pela greve, viu os Devils terminarem
novamente em segundo lugar na Divisão do Atlântico fazendo uma modesta
campanha com 22 vitórias, 18 derrotas e 8 empates. A equipe guardou
o melhor para os playoffs.
1994-1995 -- Vamos a um breve (nem tão breve assim)
resumo de cada série disputada pelos Devils na campanha rumo ao título
de 1995. Vale notar que, da equipe humilhada pelos Oilers em 1983, três
"sobreviveram" no elenco até essa histórica conquista: os defensores
Bruce Driver e Ken Daneyko, e o asa direita John MacLean. Após levantar
a copa, o capitão Scott Stevens a levou até os três "originais". Outra
curiosidade: os Devils tinham 12 jogadores americanos no elenco, um
recorde em se tratando de uma equipe campeã da Stanley Cup.
Primeira rodada -- New Jersey Devils 4-1 Boston Bruins
Poucos jogadores sabiam tão bem o caminho do gol quanto Cam Neely que,
mesmo com suas constantes contusões, era o mais temido atacante de força
da liga naquele momento (seria o Todd Bertuzzi de hoje, mas sem a máscara
e com um pouco mais de compostura). E, para tornar as coisas ainda mais
difíceis, Neely tinha a companhia de Adam Oates, um dos maiores assistentes
da história da NHL.
O Boston Bruins tinha feito uma campanha bem melhor que a dos Devils
na temporada regular, mas pararam na excelência defensiva do time de
New Jersey, que venceu as duas primeiras partidas no Boston Garden com
shutouts seguidos de Martin Brodeur (5-0 e 2-0). Em todo momento que
a dupla Oates/Neely entrava no gelo, Lemaire mandava Claude Lemieux,
Bobby Carpenter e Scott Stevens à caça. Eliminando essas duas armas,
a tarefa do jovem Brodeur foi facilitada.
A série foi para New Jersey e o Boston venceu a terceira partida por
3-2. A quarta partida foi a mais dramática da série, com Brodeur e Blaine
Lacher mantendo o placar em branco até Randy McKay marcar o único gol
da partida na prorrogação. De volta a Boston, os Devils encerraram a
fatura com um novo 3-2. Brodeur com seus três shutouts teve a excelente
marca de 0,8 gols sofridos por partida na série. Na parte ofensiva,
Stephane Richer, com dois gols e seis assistências, foi o destaque.
Segunda Rodada -- New Jersey Devils 4-1 Pittsburgh Penguins
Um Pittsburgh cansado após uma batalha de sete partidas contra os Capitals,
onde esteve com déficit de 1-3 na série, contra os descansados Devils.
Seria o duelo de dois goleiros que vinham quente. Brodeur, com a campanha
acima mencionada, e Ken Wregget, que limitou os Capitals a apenas um
gol nas duas últimas partidas da série.
Os Pens estavam sem o gigante sueco Ulf Samuelsson, com uma contusão
na costela. A primeira partida da série foi equilibrada até o final,
quando Luc Robitaille marcou num contra ataque. A Civic Arena recebeu
também a segunda partida da série. Com 2-1 desfavorável no placar, Jaromir
Jagr empatou para os Penguins. Entretanto segundos depois um slapshot
de Scott Stevens foi defendido por Ken Wregget; o rebote sobrou para
o próprio Stevens que se aproveitou do vacilo de Peter Taglianetti para
marcar o gol que seria o ponto da virada na série.
Os Devils venceriam os dois próximos jogos na Byrne Arena (também conhecida
como Medowlands Arena). O primeiro por fáceis 5-1. O seguinte foi mais
complicado por um motivo: Ken Wregget. Após 49 defesas na partida, Wregget
foi vazado por Neal Broten na prorrogação. A fantástica linha de Francis,
Jagr e Stevens foi a única que perturbou a paz de Brodeur no jogo 5
em Pittsburgh, mas novamente deu Devils, com 4-1 na partida e o mesmo
placar na série. Novamente Claude Lemieux foi peça-chave. Além de ser
a sombra de Jaromir Jagr, ele marcou seis gols nas cinco partidas.
Finais da Conferência Leste - New Jersey Devils 4-2 Philadelphia Flyers
Mais um time da Pennsylvania na rota do inferno. Dessa vez os Flyers,
um time tão forte fisicamente quanto os Devils, ou até mais. A equipe
dirigida por Terry Murray vinha de vitórias sobre Sabres (4-1) e varrida
contra os, na época, atuais campeões New York Rangers. Rod Brind'Amour,
Kevin Dineen, Dmitri Yushkevich, Petr Svoboda, Dan Kordic, Eric Desjardins
e mais alguns jogadores do elenco mereciam respeito, mas quem assustava
mesmo era a famosa Legion of Doom, linha composta pelos perigosíssimos
Eric Lindros, Mikael Renberg e John LeClair. No gol Ron Hextall voltava
a provar que era um goleiro de elite na NHL. Essa temporada marcou também
a volta de Bobby Clarke à franquia, dessa vez como gerente geral. Tudo
indicava uma série extremamente física e equilibrada. E foi o que aconteceu.
Jacques Lemaire mandou sua principal dupla de defesa, Scott Stevens
e Ken Daneyko, para gelo todas as vezes em que Murray mandava a Legion
of Doom para o jogo. Daneyko seria o responsável por tentar anular
LeClair. Já os duelos entre Stevens e Lindros fizeram a velha guarda
da NHL relembrar os grandes confrontos do passado como Howe-Richard,
LaFleur-Orr, Clarke-Esposito.
A série começou em Philadelphia, e não foi exatamente um belo início
para o time da casa. Duas derrotas elásticas (4-1 e 5-2) e a moral de
Hextall indo para ralo. Tanto que no jogo 2 ele foi substituído por
Dominic Roussel pela primeira vez naqueles playoffs, após levar um gol
mais de ninguém menos que Ken Daneyko, que definitivamente não é conhecido
por marcar gols.
O goleiro dos Flyers se recuperou no jogo 3 em New Jersey e passou a
má fase para outro lado: Martin Brodeur sofreu um belo pingüim após
despretensioso chute de Brind'Amour. O gol de Rod levou a partida para
a prorrogação, onde Eric Lindros deu a primeira vitória dos Flyers na
série.
Entre o terceiro e quarto jogo, Brodeur se tornou pai (pelo menos foi
o que a esposa dele disse) pela primeira vez. Talvez essa distração
tenha influenciado no jogo dele, pois na partida seguinte ele voltou
a ter uma atuação pouco típica em sua carreira. Após sofrer quatro gols
em apenas 17 chutes, ele foi sacado por Lemaire. Em seu lugar entrou
Chris Terreri, que teve seus poucos minutos (oito) no gol dos Devils
em todos os playoffs de 1995. A derrota por 4-2 igualou a série, mas
a partir dali voltaria à tona o eventual jogador mais valioso da pós-temporada.
Em mais uma noite super barulhenta no Spectrum, ambas as equipes correriam
atrás da vantagem no confronto. Lemaire deu um descanso aos principais
destaques ofensivos e aumentou o tempo de gelo da linha de Valeri Zelepukin,
Bill Guerin e Jim Dowd. De um erro desse trio nasceram os dois gols
do ex-herói dos Whalers, Kevin Dineen. Com a partida empatada em 2-2,
Claude Lemieux fez das suas quando faltavam 45 segundos para o fim do
tempo regulamentar, fazendo 3-2 na partida e na série.
Se o Spectrum tremeu no jogo anterior, os torcedores dos Devils transformaram
a Byrne arena num verdadeiro caldeirão na sexta partida. Os Flyers pareciam
abatidos com a derrota anterior e não ameaçaram os Devils. Claude Lemieux
marcou mais uma vez na vitória por 4-2 que deu aos Devils pela primeira
vez na história, a passagem para as finais da Stanley Cup.
Ah! Legion of doom? Lindros com apenas dois gols e quatro pontos
na série, LeClair sem um mísero gol e Renberg com o mesmo número de
metas que Lindros. A lenda do capitão Stevens crescia e a armadilha
de Lemaire ganhava notoriedade. A equipe que corria o risco de ir parar
em Nashville antes da temporada disputaria a final do mais importante
troféu do esporte mundial contra o Detroit Red Wings.
Finais da Stanley Cup - New Jersey Devils 4-0 Detroit Red Wings
Os Devils tinham times especiais de respeito, defesa mais do que sólida
e um goleiro de primeiro nível. Além jogadores no ápice de suas carreiras,
como Claude Lemieux, e jogadores em fim da carreira buscando pela última
vez a Stanley Cup a qualquer custo, como Neil Broten. Ah! É claro, a
eficiente armadilha da zona neutra. Mesmo assim eram claramente os azarões
nas finais.
Nada parecia poder parar o Detroit Red Wings em sua caminhada rumo a
sua primeira Stanley Cup desde 1955. O time treinado por Scotty Bowman
havia vencido 12 de seus 14 jogos até as finais. Suas duas únicas derrotas
vieram devido a já famosa distração após abrir uma vantagem de 2-0 em
uma série. Yzerman, Fedorov, Ciccarelli, Primeau, Coffey, Lidstrom,
Konstantinov, Fetisov, Vernon etc. Os Wings tinham uma profundidade
impressionante em todas as posições. Na temporada regular foram os vencedores
do Troféu dos Presidentes com 70 pontos, 18 pontos a mais do que os
Devils somaram.
Mas o que realmente aconteceu nas finais foi um massacre. Os Red Wings
deram em média 36 chutes em cada jogo dos playoffs até as finais; contra
os Devils a média caiu para 19. Os Wings marcaram 3,4 gols em média
nos playoffs antes das finais; contra os Devils foi 1,8 por partida.
Detroit deu apenas 17 chutes contra Brodeur no jogo 1 da série, a marca
mais baixa de toda a temporada.
Muitos dizem que o fato de as equipes não terem feito nenhum jogo entre
elas durante a temporada regular (não houve jogos entre conferências
devido à encurtada temporada) poderia ter deixado os Wings sem tempo
para analisar seu adversário. Mas uma varrida derruba por completo essa
tese.
Chega de firulas, vamos ao resumo das quatro partidas da série.
Jogo 1 -- Primeiro jogo de finais de Stanley Cup na história da
Joe Louis Arena, construída em 1979. E primeira partida de final de
Stanley Cup dos Wings desde 1966 (eu disse que ia parar com as firulas?
Ok, agora vai). Mesmo com o intenso tráfego à frente de sua área, Brodeur
conseguiu ver de onde vinham os chutes e manteve o primeiro período
em zero. A partir dali os Devils conseguiram diminuir a velocidade da
partida e buscar gols só em situações de vantagens numéricas. Stephane
Richer mandou um chute próximo às bordas que passou entre as pernas
de Mike Vernon. Poucos minutos depois Dino Ciccarelli pegou o rebote
após disparo de Nicklas Lidstrom para empatar a partida em 1-1.
No terceiro período apareceria ele, o herói anti-herói Claude Lemieux.
Bastou um disco perdido após confusão da defesa dos Wings para ele dar
a vitória na primeira partida da série. O quase inoperante Keith Primeau
foi "premiado" com um daqueles tradicionais trancos demolidores de Scott
Stevens e não pôde atuar na partida seguinte. Nem é preciso dizer
que Bowman não gostou nada de ver sua equipe dando ridículos 17 chutes
ao gol de Brodeur.
Jogo 2 -- Após a derrota na primeira partida qualquer coisa que
não a vitória, instauraria pânico em Hockeytown. A equipe da casa novamente
começou melhor, e dessa vez transformou seu domínio territorial em gol,
cortesia de Slava Kozlov. Mas uma falha do defensor Paul Coffey, que
deixou três jogadores dos Devils contra apenas Bob Rouse, deu o empate
aos Devils. John MacLean carregou o disco sozinho até encontrar o melhor
ângulo para bater Vernon.
Slava Fetisov que, curiosamente, atuou pelos Devils durante a temporada
regular, tabelou com Doug Brown, este viu Sergei Fedorov sozinho na
frente de Brodeur e fez o passe. Sem nenhum marcador entre o russo e
Brodeur ficou fácil para Fedex marcar seu primeiro gol na série dando
a falsa impressão que os Wings venceriam a partida. Mas no meio do terceiro
período Scott Niedermayer recuperou um disco em sua própria zona defensiva
e cruzou todo o gelo, bateu facilmente a Coffey para empatar novamente
a partida.
Um dos momentos mais marcantes das finais foi o histórico tranco de
Stevens em Kozlov. O capitão dos Devils pegou o desprevenido russo com
a cabeça baixa e o mandou direto para o departamento médico da JLA.
O banco dos Wings enlouqueceu com Stevens jurando o jogador dos Devils.
Este, por sua vez, patinou lentamente em direção ao banco dos Wings,
apontou para alguém e disse: "Você é próximo". Mais uma distração para
desfavorecer os Wings.
Com apenas 1:24 restando no tempo regulamentar novamente Coffey se viu
envolvido em um gol dos Devils. Bill Guerin disparou forte e Coffey,
no intuito de bloquear o disco, acabou se machucando deixando os Wings
praticamente com um a menos no gelo. Na seqüência Shawn Chambers tentou
o chute, mas foi Jim Dowd, postado atrás da meta de Vernon, que aproveitou
o rebote e marcou o gol da virada. Stephane Richer ainda fez o quarto
gol dos Devils já com a rede vazia.
Pela segunda partida consecutiva os Wings falhavam em ultrapassar a
marca de 20 chutes a gol, com apenas 18, e iria para New Jersey com
a desvantagem de 2-0 na série. Os Devils venceram todas, exceto uma,
de suas 11 partidas fora de casa nos playoffs. Um recorde.
Jogo 3 -- Os Devils parecem ter se animado com a vantagem na série
e jogou mais aberto, buscando o gol, o que teoricamente ajudava Detroit.
Mas, por incrível que pareça, foram os Diabos que se beneficiaram disso
com um gol de Bruce Driver. Pouco depois Claude Lemieux aumentava o
castigo. Depois disso abriu-se a porteira e Neal Broten, Randy McKay
e Bobby Holik fizeram um 5-0 impossível de se reverter.
Vernon foi retirado após o gol de McKay dando a oportunidade de Chris
Osgood atuar alguns minutos nas finais. Sergei Fedorov e Steve Yzerman
descontaram no final, mas com um déficit de 3-0 na série, nem mesmo
o mais fanático torcedor acreditava na conquista. Os Diabos estavam
bem próximos do paraíso (soa estranho isso, não?).
Curiosamente foi durante as finais que a famosa Crash Line dos
Devils reapareceu. Formada pelo gigante asa esquerdo Mike Peluso, que
além de atuar na NHL participava de lutas profissionais de boxe no Canadá;
o central Bobby Holik e o ex-Wings Randy McKay, a linha foi encarregada
de bater de frente com a linha de Sergei Fedorov, líder em pontos dos
playoffs e vencedor do Troféu Hart da temporada anterior.
Jogo 4 -- Scotty Bowman usou em demasia a palavra embaraço para
definir o que estava havendo com seu time. O mestre até mesmo manteve
seus jogadores dois dias longe de um rinque de hóquei com o intuito
de deixá-los com raiva e com vontade de reagir a situação crítica em
que se encontravam. A partida 4 começou polêmica. Com um minuto de jogo
Neal Broten mandou com o pé o disco para dentro do gol dos Wings, a
arbitragem fez vista grossa e manteve o gol após verificar no vídeo.
Os Red Wings igualaram o placar dois minutos depois. Num dos raros momentos
em que Stevens deixou Fedorov livre na partida, o russo aproveito o
passe de Martin Lapointe para mandar a gol. Brodeur defendeu, mas ele
pegou o rebote, empatando a partida. Fedorov continuou dominante no
período, venceu facilmente um mano-a-mano com o defensor Tommy Albelin,
e mandou para o gol; novamente Brodeur deu rebote e Paul Coffey fez
o segundo de Detroit. Entretanto gols relâmpagos de Shawn Chambers e
Neal Broten nocautearam os Wings.
No terceiro período Sergei Brylin marcou seu primeiro gol nos playoffs.
O próprio Brylin fez a jogada para o quinto gol dos Devils, novamente
de Shawn Chambers. Depois disso foi um pouco de armadilha ali e aqui,
até os sinos do inferno anunciarem o fim da partida e o início da festa
pagã.
O gerente geral, e eterno mão de vaca, Lou Lamoriello teve motivo de
sobra para comemorar. Sua equipe estava varrendo os favoritos com gols
de jogadores que ele adquiriu como principais -- modestíssimos na ótica
da imprensa -- reforços para a temporada: o defensor Shawn Chambers
e o central Neal Broten. Cada um marcou um par de gols no final jogo
da série. Broten, um veterano de 35 anos que já havia disputado duas
finais de Stanley com a camisa do Minnesota North Stars, sem sucesso,
marcou o gol que valeu a Copa.
Detroit, que havia perdido duas partidas consecutivas apenas uma vez
na temporada, perdia quatro seguidas para os Devils. Se um torcedor
dos Rangers entrou para a história, pela porta dos fundos, com seu cartaz
"agora posso morrer em paz" em 1994, o "bem-vindo ao inferno" exibido
na Byrne Arena por algum súdito do Tinhoso fez justiça ao que os Devils
fizeram com os Wings nas finais.
Claude Lemieux venceu o Troféu Conn Smythe como jogador mais valioso
dos playoffs e iniciou seu longo histórico de batalhas contra os Red
Wings. Martin Brodeur foi o goleiro menos vazado dos playoffs com 1,67
gols por partida, marca bem superior ao segundo colocado, Ed Belfour,
goleiro dos Blackhawks (2,19). Stephane Richer foi o segundo maior pontuador
da pós-temporada com 21 pontos, três a menos que Sergei Fedorov. Neal
Broten foi o terceiro com 19.
Mesmo com o cheiro de enxofre ainda presente no ar, os detratores do
estilo defensivo dos Devils começaram uma intensa batalha contra a armadilha.
Mas, como bem disse o capitão Scott Stevens após erguer a Stanley Cup
em triunfo, nada ofuscaria aquela conquista:
"Eu não me preocupo se eles abolirem a armadilha depois desta temporada.
A Copa é nossa agora, e isso é a coisa mais importante em nossas vidas.
E ninguém poderá nos tomar o sentimento que tivemos em levantá-la e
carregá-la ao redor do gelo. Ninguém."
Isso mesmo, ninguém. Nem mesmo Wayne Gretzky e o rato Mickey. Aliás,
esse último agora é inimigo na final da Stanley Cup desse ano. A final
contra os Mighty Ducks é a oportunidade ideal para os Devils exorcizarem
(isso ficou estranho também) de uma vez por todas, os personagens da
Disney de sua vida.
|
Eduardo Costa é fã de Angus Young, assim
como seu amigo Pedro "Panda" Cassaro, torcedor dos Devils. Gustavo
Afiúne, também seguidor da equipe de New Jersey, prefere o Lacraia. |
|
|
IMAGENS DA STANLEY CUP DE 1995 |
|
|
|
MARTIN BRODEUR E SHAWN CHAMBERS
Segurando na defesa (Arquivo The Slot BR) |
|
|
|
|
|
JOHN MACLEAN X KRIS DRAPER
A dura batalha pelo disco nas bordas (Arquivo The Slot BR) |
|
|
|
|
|
CLAUDE LEMIEUX O MVP dos playoffs
de 1995 (Arquivo The Slot BR) |
|
|
|
|
|
O CAPITÃO ERGUE A TAÇA
Scott Stevens e o time comemoram a inesperada conquista do título
de 1995 (Arquivo The Slot BR) |
|