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16 de maio de 2003
O Mundial de Seleções

Por Eduardo Costa

Tempo de playoffs da NHL e o nobre leitor deve estar concentrando suas atenções nas quatro equipes restantes. Mas do outro lado do Atlântico tem outra competição de alto nível que não poderia passar despercebida pela equipe da Slot. Trata-se de mais um edição do Mundial de Seleções, organizado pela federação internacional de hóquei no gelo.

Muitos jogadores de equipes quem não foram aos playoffs da NHL e alguns que saíram prematuramente reforçaram boa parte das 16 seleções. Vamos destacar aqui uma partida histórica entre os rivais escandinavos: a Finlândia, de Teemu Selänne e Saku Koivu, e a Suécia de Mats Sundin e Peter Forsberg, nas quartas de finais. E também a super final da competição entre Suécia e Canadá, além de algumas notas.

A sede do mundial foi na Finlândia, país onde o hóquei no gelo é disparado o esporte nacional, onde a vodka faz parte da cesta básica e bandas de heavy metal ocupam os primeiros lugares nas paradas de sucesso. A Finlândia seria um paraíso se durante uma considerável parte do ano o sol não teimasse em se esconder abaixo da linha do horizonte. E para o povo finlandês só tem uma coisa melhor que ver sua seleção vencer uma partida: é ver os vizinhos suecos perderem uma.

Seja ela no duelo da telefonia móvel Nokia-Ericsson ou de qual vodka é melhor: Absolut Vodka ou Vodka Finlândia. Os suecos passam a considerar a belíssima Tarja Turunen (vocalista da banda Nightwish) uma baranga sem nível. Os finlandeses jogam na cara dos suecos os lixos produzidos pelos vizinhos ao longo dos anos, como Abba e Roxette, e se esquecem dos maravilhosos In Flames e Dismember. Os suecos lembram que produzem Volvo e Saab, e os finlandeses lembram de Mika Hakkinen (mas não de sua esposa, Morticia).

Não existe meio termo. Finlandeses e suecos se odeiam. E que modo melhor para medir as forças das duas nações que uma batalha no esporte mais popular nesses dois países? As duas seleções se encontraram prematuramente, devido à má campanha dos finlandeses, nas quartas-de-final da competição. A Finlândia com a vantagem de atuar em casa e os suecos contaram com alguns jogadores inesperados. Ou alguém poderia imaginar que Peter Forsberg estaria disponível para o mundial com os playoffs da NHL ainda em suas semifinais de conferência (até o dia do confronto)?

A campanha da Suécia começou modesta com vitórias magras sobre adversários de pouco peso como Letônia (3-1), Bielorússia (2-1) e derrota para o Canadá (1 3). Depois recuperou o bom hóquei com três vitórias contra Rússia (4-2), Dinamarca (7-1) e Suíça (5-2). Lembrando, é claro, que a vitória contra a Bielorússia foi uma mini-vingança da monumental zebra que aconteceu em Salt Lake City no ano passado.

Finlândia foi o oposto. Começaram massacrando: 5-1 contra a Áustria e 12-0 contra a Eslovênia antes de sucumbirem à República Tcheca (1-2) e Eslováquia (1-5) e um pobre empate contra a Alemanha (2-2). Depois descontaram contra a Ucrânia (9-0).

Com todo respeito aos Ducks e Wild, nem mesmo na final da Conferência Oeste da NHL veremos tantos craques quanto nessa partida: Forsberg, Sundin, Koivu, Selänne, Henrik Zetterberg. O ponto fraco ficou por conta dos dois goleiros titulares.

Tommy Salo não é mais o mesmo. Alguns torcedores o chamam de "ten- holes" (dez buracos). Para quem não se lembra dos últimos Jogos Olímpicos, Salo vinha bem na partida (quartas de finais, contra a Bielorússia) até levar um gol do meio da rua de um obscuro jogador chamado Vladimir Kopat. O disco passou por um lugar inusitado ao atingir a cabeça de Salo e parar na rede com menos de três minutos para o final da partida (que foi transmitida para o Brasil pela SporTv). A Suécia não teve tempo para reagir, perdeu por 4-3, em uma das maiores zebras da história do hóquei. Muitos dizem que após aquele gol Salo nunca foi o mesmo. E a síndrome de Kopat voltou a atormentá-lo, dessa vez contra a Finlândia.

Sundin abriu o placar na Hartwall Arena em Helsinki. Alguns minutos depois, Selänne, desviando um disparo de Janne Niinimaa, marcou o primeiro de seus três gols na partida, dando início ao que parecia um massacre. Um minuto depois, com o capitão sueco Jorgen Jonsson penalizado, Selänne marcou o segundo.

O atacante Tomi Kallio, de infeliz passagem pela NHL, mandou de um ângulo desfavorável um chute que passou inexplicavelmente por Salo, levando o público local a festejar como nunca o 3-1. No início do segundo período Koivu perdeu a chance com a rede vazia. Mas o atacante Kimmo Rintanen, uma das estrelas da liga alemã, não desperdiçou quando viu o disco sobrar limpo, após uma confusão na frente da meta de Salo.

Nessa jogada Olli Jokinen caiu sobre Salo no mesmo momento em que o disco cruzava a linha do gol. O goleiro perdeu a compostura, agrediu Jokinen e foi penalizado. Disso nasceu o quinto gol finlandês, cortesia de Selänne que completava assim seu hat-trick.

Com 5-1 o treinador sueco Hardy Nilsson finalmente caiu na real e mandou o jovem goleiro Mikael Tellqvist (prospecto do Toronto Maple Leafs) para o gelo. Provavelmente grande parte dos suecos mudaram de canal e perderam o gol de Jorgen Jonsson. Os finlandeses relaxaram. O goleiro Jani Hurme parecia estar curando uma ressaca numa sauna na Lapônia. Com gols de Forsberg e Jonas Hoglund os suecos voltaram à partida ainda no segundo período.

No início do terceiro o treinador finlandês Hannu Aravirta fez o mesmo que o adversário. Trocou de goleiro: Jani Hurme (Florida Panthers) deu lugar ao jovem Pasi Nurminen (Atlanta Thrashers).

Na dúvida entre segurar o marcador ou buscar mais gols a Finlândia não fez nenhum dos dois. O candidato ao Troféu Hart Peter Forsberg mostrou por que é o mais habilidoso jogador do mundo no momento. Extremamente irritado após levar um tranco maldoso de Aki Berg, Foppa começou a jogada atrás do próprio gol sueco, patinou até a zona de ataque onde resistiu à marcação de três finlandeses e, atrás do gol de Nurminen empatou com uma jogada no estilo wrap-around.

Atônita, a torcida finlandesa, se pudesse, chutaria os próprios traseiros de tanta frustração. O gol da virada sueca era questão de tempo. Com menos de cinco minutos para o fim da partida P.J. Axelsson desviou um chute de Ronnie Sundin e o que parecia impossível estava acontecendo. Em plena Helsinki a Suécia vencia após estar com déficit de 1-5.

Mesmo com um hat-trick de Selänne e com Salo entregando, os finlandeses não puderam com os suecos. O sonho do segundo título mundial morreu. A velha lembrança do doce mundial de 1995, vencido contra os suecos em Estocolmo se esvaiu. Essa derrota está sendo encarada como o pior colapso em uma competição internacional na história de hóquei finlandês, e a maior virada sueca. Vale lembrar também que a Finlândia nunca venceu seus rivais atuando em casa em mundiais.

Outro resultado que vale ser destacado nas quartas de finais foi a vitória da República Tcheca sobre a jovem equipe da Rússia. Na seqüência os tchecos foram goleados pelos canadenses, num pouco comum 8-4, com Tomas Vokoun em noite infeliz.

A Eslováquia, vice em 2001 e campeã em 2002, ficou nas semifinais ao perder para a Suécia por 4-1, mas teve os três principais pontuadores da competição: Zigmund Palffy e Jozef Stumpel com 15 pontos cada, seguido pelo defensor Lubomir Visnovsky com 12. A supremacia dos eslovacos impediu que a dupla de ídolos finlandeses Selänne e Koivu, ambos com 11 pontos, chegassem mais uma vez na artilharia de um mundial. Além dos artilheiros, a Eslováquia obteve a medalha de bronze ao bater os irmãos eslavos da República Tcheca na disputa pelo terceiro lugar.

FINAL -- O Canadá sem hóquei seria apenas lembrado como o país do Curling e da Celine Dion, o que colocaria essa bela nação abaixo até mesmo da Argentina no ranking de respeitabilidade perante o resto do mundo. Mas é a nação do hóquei e isso já basta. E a única coisa prateada que tem valor para o hóquei canadense é a Stanley Cup. Em nível de seleções apenas a cor dourada é aceitável. Menos que isso é fracasso.

Uma máxima na época em que os canadenses não enviavam seus profissionais para as competições internacionais era que existia apenas dois grandes. O que vencia o ouro olímpico e o que vencia a seleção canadense. Isso na ótica dos europeus. Para os canadenses ninguém poderia se comparar com a nação do hóquei. As olimpíadas de Nagano em 1998 contaram com todas as estrelas disponíveis na NHL e o Canadá ficou de fora até do pódio. Com o orgulho abalado uma grande estrutura foi montada para as olimpíadas de inverno em 2002.

O ouro em Salt Lake City devolveu parte do orgulho perdido, mas os canadenses não ficaram só nisso. Faturaram também o mundial da Finlândia em uma grande final contra a Suécia nesse último domingo.

Os 13.387 torcedores presentes na Hartwall Arena estavam, em sua esmagadora maioria, apoiando a equipe da América do Norte. Não que uma legião de canadenses tenha cruzado o Atlântico para dar um apoio à sua equipe. A torcida finlandesa, ainda chocada com a derrota para os vizinhos escandinavos após estar com uma vantagem de quatro gols, torceu obviamente para os canadenses.

E foi nessa mesma arena que o Canadá conquistou sua última medalha. Também de ouro, em 1997. Porém o início não foi bom para os canadenses. Dois terços da grind line dos Red Wings, Kirk Maltby e Kris Draper e o Coyote Shane Doan foram os encarregados de parar a primeira linha dos suecos, composta por Forsberg, Zetterberg e Mathias Tjarnqvist. Apesar do bom trabalho do trio canadense na partida, Tjarnqvist conseguiu superá-los e marcou o primeiro gol sueco pegando o rebote de Roberto Luongo após disparo de Zetterberg.

No final do primeiro período Mikael Renberg mandou um longo passe para P.J. Axelsson que, sozinho na frente de Luongo, não teve trabalho para ampliar o placar. Segundos depois, o ponto da virada: com menos de um minuto para o fim do período Shawn Horcoff aproveitou um disco perdido e venceu o jovem goleiro Mikael Tellqvist. Gol que foi crucial para fazer os canadenses voltarem pro jogo e impedir de avançar para o segundo período com um déficit de dois gols.

O segundo período foi equilibrado. A melhor chance de gol foi para Axelsson, mas o jogador dos Bruins teve seu chute defendido por Luongo. Sundin foi o melhor jogador da final e levou perigo em cada subida ao ataque. No terceiro período o Canadá buscou o empate desde o primeiro minuto. Daniel Briere e Dany Heatley atormentaram a defesa sueca. Cada contra-ataque levava muito perigo às duas metas.

Horcoff trabalhou atrás da meta sueca, esperou paciente por Doan e, quando o jogador dos Coyotes se livrou da marcação, recebeu um belo passe e empatou a partida. Prorrogações, pelas regras da IIHF, são jogadas com quatro patinadores de cada lado. Apenas um período extra e, se permanecer empate, decisão por pênaltis (shootout).

Steven Reinprecht, pelo lado canadense, e Peter Nordstrom, pela Suécia, tiveram ótimas oportunidades já no início do tempo extra. A partir dali Luongo entrou em ação. O goleiro dos Panthers foi heróico ao defender com seu equipamento protetor (pad) um chute de Niklas Andersson. Luongo, que substituiu o lesado Sean Burke durante a competição, defendeu todas os 12 chutes dos suecos na prorrogação. Os canadenses mandaram apenas cinco, mas a última foi a decisiva.

Anson Carter, que parece mais um integrante de uma banda de reggae com seus dreadlocks e com um bronzeado que destoava do restante dos atletas, foi o herói da noite. Ele mandou um chute pelo lado direito, Mikael Tellqvist defendeu o disco com a luva, mas soltou após cair ao lado da trave. Carter pegou seu próprio rebote e empurrou o disco, que ficou "escondido" embaixo do equipamento protetor do goleiro sueco (por incrível que pareça a única emissora que mostrou esse gol até agora para o Brasil foi a obscura Deutsch Welle).

Carter levantou os braços comemorando e o banco canadense se esvaziou, mas o árbitro Vladimir Sindler mandou consultar o lance para ver se o disco cruzou a linha. Demorou cerca de sete minutos, com direito a consulta em sete ângulos diferentes, para o árbitro apontar para o centro do gelo. Festa na nação do hóquei, festa para os finlandeses.

Com palavra o treinador dos campeões, Andy Murray: "Hoje foi um grande exemplo de por que hóquei é o melhor esporte no mundo. A emoção, o jogo físico, jogadores extremamente hábeis, e dois grandes goleiros. Foi um tremendo jogo. Penso que vai levar um mês para me recuperar".

Murray merece uma boa porcentagem da conquista por ter tirado bom proveito do entrosamento já existente entres alguns jogadores. Como Carter, agora jogador dos Rangers, que jogou na mesma linha de seus antigos companheiros de Oilers Ryan Smyth e Mike Comrie, e venceu seu segundo título mundial. O próprio Smyth quebrou, durante a competição, o recorde de 40 partidas jogadas por um canadense em mundiais — que pertencia ao defensor James Patrick —, obteve sua primeira medalha e, como capitão, teve a honra de levantar o troféu. Foi um dos cinco Oilers no elenco campeão.

Dany Heatley, do Atlanta, foi o melhor jogador canadense na competição. Liderou o time com sete gols em nove jogos, com destaque para um hat-trick contra os fortes tchecos nas semifinais. Daniel Briere, jogador dos Sabres foi a surpresa positiva da equipe terminando como segundo melhor pontuador canadense na competição com nove pontos em mesmo número de jogos.

Kris Draper, dos Wings, liderou a linha do choque que eliminou Forsberg nas duas partidas entre suecos e canadenses na competição. Shawn Horcoff, que apareceu bem nos Oilers na reta final da temporada regular, deu ao Canadá o fator surpresa, já que é desconhecido ainda para a maioria dos treinadores europeus.

A defesa teve no jovem defensor do Florida Panthers Jay Bouwmeester seu maior destaque com sete pontos e grandes atuações na fase do mata-mata. A dupla dos Oilers Steve Staios e Eric Brewer mais Craig Rivet, do Montreal Canadiens, e Mathieu Dandenault, dos Red Wings, também foram fundamentais e contribuíram bastante para a excelente participação de Sean Burke, que teve uma média de 1.28 gol sofridos por partida e 0,95 de porcentagem de defesas.

Notas sobre o mundial 2003 -- Com um total de 454.693 torcedores durante o torneio, esse mundial foi o segundo em total de público na história da competição. Perdendo apenas para a edição de 1997, realizado na mesmíssima Finlândia.

Prêmios individuais
Melhor goleiro: Sean Burke, Canadá
Melhor defensor: Jay Bouwmeester, Canadá
Melhor atacante: Mats Sundin, Suécia
Jogador mais valioso: Mats Sundin, Suécia

Equipe ideal
Goleiro: Sean Burke, Canadá
Defesa: Lubomir Visnovsky, Eslováquia
Defesa: Jay Bouwmeester, Canadá
Atacante: Dany Heatley, Canadá
Atacante: Mats Sundin, Suécia
Atacante: Peter Forsberg, Suécia

Eduardo Costa é colunista da The Slot BR.
CAMPEÕES A Seleção canadense comemora enquanto o goleiro Mikael Tellqvist é consolado por Tommy Salo (Harry How/Getty Images)
 
RIVALIDADE NÓRDICA No lance, Toni Lydman e Mathias Tjarnqvist (IIHF)
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Página publicada em 15 de maio de 2003.