Por
Mitch Albom, Detroit Free Press
E é isso.
Nada de bicampeonato. Nada de parada de comemoração. Nada
de Colorado ou Dallas. Nada de maio. Nada de junho. Nada de nada, realmente
que é o que acontece quando vocês ofre do maior
nada de todos: nada de vitórias.
Por quatro vezes os Red Wings levaram seu orgulho e poder ao gelo contra
o Anaheim Mighty Ducks, um time com um nome ridículo e sem nenhuma
tradição, e por quatro vezes saíram do gelo humilhados.
A quarta-feira passada viu o último insulto, uma noite em que
os Wings prometeram mostrar do que eram feitos.
Isso é do que eles são feitos: eles já estão
em casa agora, com a temporada arruinada, o primeiro time eliminado
dos playoffs deste ano. O time se trocou. O avião decolou.
E é isso.
"Quatro seguidas?" era o que você podia ouvir dos sussurros
da torcida dos Wings, depois que o Detroit foi varrido para fora dos
playoffs com a derrota por 3-2 na prorrogação do jogo
4. "É uma piada, certo? Não pode ter acontecido de
verdade. Quatro seguidas?"
Aconteceu. Lá estava Mathieu Dandenault, dormindo no volante,
deixando Adam Oates roubar o disco como um ladrão de bolsas no
metrô. Oates passou para Paul Kariya, Kariya chutou no alto do
gol de Curtis Joseph, e a única liderança dos Wings no
jogo se acabou.
Lá estavam Brendan Shanahan, Brett Hull, Sergei Fedorov, as maiores
armas do arsenal do Detroit, disparando contra Jean-Sébastien
Giguere como se ele fosse feito de Kevlar. Nada além de arranhões.
Lá estava o terceiro período, com um chute de um cara
de quarta linha chamado Jason Krog zunindo por Joseph, agora um goleiro-problema.
"Jason Krog?" era o que você ouvia a torcida dizer.
"JASON KROG?!"
E finalmente, na prorrogação, lá estava Steve Rucchin
mandando a inevitável punhalada para trás de Joseph e
para dentro dos livros de história.
"Varrida! Varrida!" era o que a multidão em Anaheim
gritava.
Varridos. Daqui a alguns dias, daqui a alguns meses talvez até
daqui a alguns anos , esses momentos vão voltar para assombrar
os Red Wings com o pior tipo de eco. As traves ressoando, as jogadas
de defesa perdidas, o goleiro se perdendo fora do gol todas aquelas
costuras no tecido, voltando descosturadas em uma constatação
atormentante: você só tem algumas chances para conquistar
a Stanley Cup.
E em 2003 uma máquina muito bem equipada nem chegou a sair da
garagem.
A longa estrada de volta -- Mesmo nos instantes antes do jogo,
os Wings falavam em fazer história. Eles sabiam que apenas dois
times viraram uma série que perdiam por 3-0 na história
dos playoffs da NHL, mas eram unânimes ao dizer que achavam que
estavam destinados a ser o terceiro.
"Se algum time pode...", disse o técnico Dave Lewis.
"Se algum time pode...", disse Shanahan.
"Se algum time pode...", disse Fedorov.
Então talvez nenhum time possa. Mas, lembrem-se, os Wings não
falharam apenas em virar a série. Eles falharam em ganhar um
jogo. Você pode reescrever do jeito que quiser. E isso ainda vai
ser igual a fracasso. Na noite de quarta, eles chegaram ao ápice
da frustração no fim do segundo período, quando
mesmo sua melhor atuação não conseguiu render um
gol. Honestamente, foi como assistir a uma luta de um homem só,
de tão dominantes que estavam os Wings no ataque. Mas assistir
às tentativas de trespassar Giguere era como assitir a ladrões
tentando trespassar um cofre de banco suíço. Os Wings
mandaram tudo o que tinham contra ele. Darren McCarty, com dois chutes
fortes negado! Shanahan, numa bela assistência de Steve
Yzerman negado! Yzerman, tentando sua própria abertura,
giro, chute negado! Fedorov, com dois chutes violentos
nada! Era como tentar derrubar com um machado uma árvore petrificada
[N. do T.: lembram-se daquele desenho do Pica-Pau, em que ele tentava
derrubar uma árvore petrificada de tudo quanto é jeito?].
Em um certo ponto, um chute desviado por Mathieu Schneider voou no ar
como uma moeda, aterrissando nas costas de Giguere e ainda batendo na
lateral do gol. Essa foi praticamente a história do jogo para
os Wings. Mesmo a gravidade estava do lado do Anaheim.
No final, ao patinar em direção ao verão norte-americano,
os Wings pareciam abalados. Um time que, na última parte da temporada
regular, teve média de quatro gols por jogo não conseguiu
marcar seis em uma série?
"É impensável", podia-se ouvir a torcida do
Detroit dizer. "Não é?"
Não mais. Na última semana, os Red Wings eram um ogro
sendo esmurrado por um leprechau, dizendo "não doeu, não
doeu" e então desabando morto. Até o amargo
final, eles negavam o talento coletivo do Anaheim, privadamente creditando
apenas o goleiro, Giguere, como motivo para estar atrás, 3-0,
ao invés do contrário.
Sim, isso é verdade, Giguere foi inacreditável. Extraordinário.
Não dá para elogiá-lo o suficiente. Mas ele não
marcou para os Ducks. Ele não adormeceu na defesa. Ele não
sofreu os gols questionáveis que Joseph sofreu. Ele não
roubou discos ou fez os passes perfeitos que os Ducks fizeram ao menos
uma vez por jogo.
E se Giguere foi o único responsável pela derrota, isso
diz mais sobre os Wings do que nós queremos saber. Lembrem-se,
Giguere estava nos primeiros playoffs de sua carreira. Seu técnico,
Mike Babcock, está em seu primeiro ano. Krog é considerado
um jogador inferior e marcou dois gols nessa série ,
o que dá um a mais que Hull, Fedorov, Yzerman ou Nicklas Lidstrom.
Os Ducks nunca tinham vencido os Wings em playoffs. Quanta história
os Wings poderiam jogar no lixo em uma série?
Muita. Fazia mais de meio século que um campeão da Stanley
Cup não era varrido na primeira rodada da defesa de seu título.
De um jeito ou de outro, os Wings estão de volta aos livros de
história.
Um verão sem hóquei -- As repercussões disso
são gigantes. Essa máquina de hóquei de Detroit
é feita de alto faturamento e altos gastos, com o capital gerado
pelos playoffs financiando muitas das manobras nas férias e durante
a temporada. A devoção da família Ilitch ao telento
caro tanto o atual como o potencial será duramente
testada agora. Esse é um time idoso, com jogadores mais velhos
sugando uma grande parcela da folha de pagamento. Você não
pode trocá-los. Se você cortá-los, perde sua liderança.
Se perder sua liderança, você não vai se tornar
igual a vários times lá fora?
Vocês entendem o problema. E a tinta vermelha nos balanços
não se compara ao olho roxo do orgulho dos Red Wings. Perder
uma série de primeira fase difícil não é
novidade os Wings o fizeram há dois anos, contra o Los
Angeles Kings. Mas perder quatro seguidas para o sétimo colocado
quando se tem um elenco de Hall da Fama e um bom grupo de jovens talentos
não é apenas histórico, é inexplicável.
Essa charada agora vai consumir nossas horas da primavera e do verão
norte-americanos, antes separadas apenas para hóquei. Ao invés
de ir aos estádios fechados no meio da primavera, pode-se cortar
a grama e dizer: "Não acredito que os Wings perderam assim."
Ao invés de se procurar um bar de esportes no início de
junho, pode-se ir à praia e dizer: "Ainda não acredito
que os Wings perderam assim."
E enquanto se estiver fazendo isso, pode-se provavelmente dizer adeus
a rostos familiares: Luc Robitaille, Igor Larionov, talvez até
Fedorov e McCarty, todos agentes livres que parecem menos essenciais
depois de um sonoro zero nos playoffs.
Mais do que isso, dizemos adeus à expectativa, à adulação
e ao júbilo. Eles serão trocados por frustração,
nossa e deles. Por 18 meses, Detroit vinha sendo um lugar feliz para
o hóquei, um tipo de Discolândia mágica, onde os
melhores jogadores jogavam e os melhores torcedores assitiam.
Tudo se acabou agora. O melhor conjunto de ratos e homens foi nocauteado
pelos Ducks. O time se trocou. O avião decolou. Não há
alegria na Discolândia; os poderosos Red Wings foram eliminados.
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Mitch Albom é colunista do jornal Detroit Free Press. O
artigo foi traduzido por Alexandre
Giesbrecht. |
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ANTES Joseph sofre o gol na
prorrogação... (Julian H. Gonzalez/Detroit Free Press
- 16/04/2003) |
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DEPOIS ...e os Ducks comemoram
a classificação e a varrida (Julian H. Gonzalez/Detroit
Free Press - 16/04/2003) |
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