Por
Eduardo Costa
Uma temporada especial e que será lembrada para sempre como a
que marcou o início da era Bettman na NHL, a do centésimo
aniversário da Stanley Cup. A da 24.ª conquista dos Canadiens,
que veio com uma incrível seqüência de vitórias
em prorrogações. A da última visita de Gretzky
às finais da Stanley Cup. E a de um tal David Volek interrompendo
o sonho do tricampeonato dos fortíssimos e favoritos Penguins.
John Ziegler deixou o cargo de comissário da NHL após
15 anos de serviço. Para seu lugar, veio um jovem executivo que
tinha feito fama como vice-presidente da NBA. A missão de Gary
Bettman: expandir a liga em diversos níveis. E a temporada já
começou maior, com a adição de duas novas franquias.
A capital do Canadá viu uma equipe local disputar uma partida
da NHL pela primeira vez desde 1934. Os Senators foram incluídos
na dificílima Divisão Adams, que teve três times
chegando a cem ou mais pontos. Os hoje supercompetitivos Senators fizeram
a alegria dos torcedores locais, na maioria das vezes lotando o acanhado
Ottawa Civic Centre, e também dos torcedores das outras equipes.
Em 42 partidas fora de casa, os Sens perderam 41 e venceram apenas uma
(5-3 contra os Islanders, já no fim da temporada regular). Terminaram
a temporada na lanterna da liga.
Já o outro estreante foi bem melhor. As portas da NHL se abriram
na Flórida, com o surgimento do Tampa Bay Lightining. Os Bolts
venceram respeitáveis 23 partidas, mesmo fazendo parte da também
difícil Divisão Norris. A adição de ambas
as equipes aumentou o número de partidas para cada equipe de
80 para 84.
Wayne Gretzky perdeu os primeiros 39 jogos do seu Los Angeles Kings,
devido a problemas nas costas. Voltou em 6 de janeiro, a tempo de colocar
a equipe treinada pelo nosso conhecido Barry Melrose no caminho da pós-temporada.
Um dia após o retorno de Gretzky, outro gigante do esporte ganhava
as principais manchetes do noticiário esportivo. O Pittsburgh
Penguins anunciou que Mario Lemieux tinha sido diagnosticado com o mal
de Hodgkins, uma forma de câncer. Super Mario perdeu 24 partidas
enquanto recebia tratamento, mas retornou à liga demonstrando
sua grandeza e manteve-se como artilheiro até terminar a temporada
regular, com assustadores 160 pontos em apenas 60 partidas.
O exemplo de superação pareceu ter contagiado seus companheiros.
A equipe comandada por Scotty Bowman venceu tranqüilamente o Troféu
dos Presidentes, com 119 pontos, dez a mais que o segundo colocado geral,
o Boston Bruins. De quebra, os Pens bateram o recorde de vitórias
seguidas na liga. Foram 17 partidas consecutivas, começando em
9 de março, contra os Bruins (3-2), e só se encerrando
no empate contra o New Jersey Devils, em 14 de abril (6-6). O recorde
anterior pertencia aos Islanders, na temporada de 1981-82.
Foi também a temporada onde um novato finlandês estabeleceu
duas marcas históricas: Teemu Selanne marcou 76 gols, superando
o genial Mike Bossy (53 em 1977-78). Seus 132 pontos também constituíram
outro recorde, removendo o eslovaco Peter Stastny do topo (103 pontos,
doze anos antes). Com isso, o atacante do Winnipeg Jets garantiu um
dos Troféus Calder mais previsíveis da história.
O Toronto Maple Leafs retornou à elite da liga após longo
hiato. No comando, Pat Burns, um treinador de estilo defensivo que ganhara
fama e prestígio comandando o eterno rival Montreal Canadiens.
Doug Gilmour esteve infernal, Felix Potvin mostrou-se capaz de ser o
goleiro número 1 da equipe, tornando o experiente Grant Fuhr
um atleta "trocável". A direção dos Leafs
fez a coisa certa e obteve em troca de Fuhr o "homem da vantagem
numérica" Dave Andreychuk, dos Sabres. Com Dave convertendo
seus passes, Gilmour atingiu o melhor de sua carreira em assistências,
com 95, e pontos, com 127.
O New York Islanders foi a surpresa dos playoffs. Na primeira fase,
eliminou, em seis partidas, os Capitals. O último gol da série
foi marcado por Pierre Turgeon, que, na comemoração, levou
uma covarde agressão de Dale Hunter. Turgeon teve seu ombro separado,
e Hunter recebeu uma punição branda de apenas 21 partidas
(servida na temporada seguinte).
Sem Turgeon, que havia somado 132 pontos na temporada regular, os Islanders
pareciam presa fácil para os poderosos Penguins. Mas Ray Ferraro,
Steve Thomas, Benoit Hogue e Tom Fitzgerald jogaram como nunca para
suprir a ausência de seu principal jogador. Na defesa, um jovem
defensor lituano se encarregou de Mario Lemieux. Darius Kasparaitis
não teve dó do astro dos Penguins, que sofria com dores
nas costas, e tratou de aumentar ainda mais o sofrimento dele com trancos
devastadores. A série foi para uma decisiva partida no "Iglu".
Ray Ferraro fez a jogada, e o pouco conhecido tcheco David Volek encarregou-se
de transformar em pó os sonhos de tricampeonato dos Pens.
Em outra série, a província de Québec parou para
acompanhar o clássico entre Nordiques e Canadiens. Os Nordiques
abriram vantagem de duas vitórias na série. Nas quatro
partidas seguintes, Patrick Roy sofreu apenas nove gols do poderoso
ataque dos rivais e levou o time adiante. O adversário seguinte
foi o Buffalo Sabres. Dois nomes intimidavam na equipe do nordeste americano:
Pat LaFontaine (148 pontos na temporada regular) e Alexander Mogilny
(127). A defesa dos Bruins, comandada pelo goleiro Andy Moog e por Ray
Bourque, não fora páreo para a dupla dos Sabres, sendo
varrida junto com o time da cidade do feijão. A defesa dos Canadiens
não tinha um nome tão forte quanto o de Ray Bourque, mas
tinha mais profundidade, com Eric Desjardins, Mathieu Schneider e Patrice
Brisebois. Varrida dos Canadiens na série, só que das
mais difíceis, com quatro placares idênticos (4-3), e as
duas últimas partidas indo ao tempo extra.
Na Conferência Campbell, os Blackhawks foram varridos pelos Blues
de forma surpreendente, já que na temporada regular a equipe
de Belfour e Chelios havia somado 21 pontos a mais que o time de Brett
Hull e Curtis Joseph. Os Red Wings e os Maple Leafs foram a uma decisiva
sétima partida, com os canadenses levando a melhor. O time de
Pat Burns teve que encarar outro jogo 7 na fase seguinte, desta vez
contra o St. Louis Blues, para chegar à final da conferência
contra os Los Angeles Kings.
Luc Robitaille, Wayne Gretzky e Tomas Sandstrom foram os destaques dos
Kings rumo às finais. Eliminaram o Calgary Flames e o Vancouver
Canucks em seis partidas. Restaram apenas quatro equipes para brigar
pela 100.ª Stanley Cup. Kings-Maple Leafs na Campbell e Islanders-Canadiens
na Wales.
A série entre Isles e Habs mostrou que os deuses e algo mais
estavam do lado dos canadenses. O primeiro jogo foi vencido facilmente
pelos Canadiens por 4-1. A partir do jogo 2, apareceriam novamente as
prorrogações. Foram necessários dois tempos extras
para que Stephan Lebeau marcasse para os Habs. O terceiro jogo foi decidido
na primeira prorrogação, desta vez com Guy Carbonneau
vencendo Glenn Healy. Além disso, os fãs dos Islanders
tiveram que engolir o fato de que na hora do gol os Canadiens estavam
com sete patinadores no gelo, fato ignorado pela arbitragem, mesmo após
ser exibido no telão. A série se encerrou com convincentes
5-2, que garantiram os Canadiens na final mais uma vez.
Na final da Conferência Campbell, Toronto e Los Angeles dividiram
os primeiros quatro jogos. As duas partidas seguintes foram decididas
em tempo extra. Glenn Anderson, ex-companheiro de equipe de Gretzky
no grande Edmonton Oilers, marcou com 40 segundos jogados na prorrogação,
para dar ao Toronto a vitória no jogo 5. Na partida seguinte
foi a vez do "Great One", a 1:41 do tempo extra, garantir
uma sétima partida, em Toronto.
Na noite de 29 de maio, com o Maple Leafs Garden devidamente lotado
de ensandecidos fãs, Gretzky marcou um hat trick e somou uma
assistência na vitória por 5-4. Gretzky até hoje
diz que foi o maior jogo de sua carreira. No gol da vitória,
Wayne "tabelou" na parte de trás da perna do defensor
Dave Ellett, enganando Felix Potvin. O goleiro Kelly Hrudey também
foi decisivo, ajudando os Kings a chegar pela primeira e única
vez às finais da Stanley Cup.
O sonho dos canadenses de ver uma na final entres os dois maiores vencedores
da história da Stanley Cup em sua 100.ª edição
foi arquivada. Em vez disso, seria o duelo entre a franquia mais vencedora
e o maior jogador da história da liga. Canadiens contra Gretzky.
A primeira partida não mostrou o que seria a série. Vitória
tranqüila dos Kings por 4-1 no Fórum de Montreal. O jogo
2 se encaminhava para outra vitória dos Kings. Nos minutos finais,
eles administravam uma vantagem de 2-1 no placar, até Marty McSorley
ser penalizado por usar um taco irregular. Os canadenses aproveitaram
a oportunidade e empataram. Com 51 segundos de prorrogação,
o defensor Eric Desjardins deu a vitória ao Montreal e empatou
a série.
John LeClair entrou em cena, com um par de gols nos tempos extras dos
jogos 3 e 4. Poucos acreditavam no que acontecia, três vitórias
seguidas dos Canadiens em tempo extra nas finais. Dez vitórias
consecutivas em prorrogação nos playoffs! Frustrados,
os jogadores dos Kings não tiveram forças na última
partida, no Fórum. O treinador Jacques Demers fez um belo trabalho
durante a série, armando um esquema que anulou a principal linha
de ataque do adversário. Gretzky, que liderou os playoffs com
40 pontos, não pôde fazer muito com a "sombra"
Carbonneau em seus pés, e Patrick Roy jogou o seu melhor hóquei
enquanto nos Canadiens, sofrendo apenas 11 gols dos Kings na série.
A outra arma da equipe americana eram os chutes poderosos dos três
principais defensores dos Kings, Rob Blake, Alexei Zhitnik e Darryl
Sydor, devidamente bloqueados pelos atacantes dos Canadiens, em especial
pelos de características defensivas, como Guy Carbonneau, Mike
Keane e Kirk Muller. Um clássico 4-1 no jogo 5 encerrou o conto
de fadas dos californianos e deu a 24.ª Stanley Cup para os Canadiens.
Um dos mais entusiasmados era Denis Savard, habilidoso central, que
teve que sair do Chicago Blackhawks para realizar seu sonho de vencer
o título. Vincent Damphousse foi o artilheiro da equipe na temporada
regular e nos playoffs. Infelizmente, os torcedores em Montreal exageraram
nas comemorações, no pior estilo dos hooligans ingleses,
lançando pedras nas vidraças próximas ao Fórum,
destruindo carros e saqueando lojas.
Patrick Roy venceu o Conn Smythe como melhor jogador dos playoffs, com
uma campanha de 16-4 e média de 2,13 gols sofridos por partida.
Mario Lemieux foi eleito o jogador mais valioso da temporada regular
pela segunda vez na carreira. Ed Belfour, que venceu 41 partidas na
temporada regular, ficou com o Vezina, enquanto seu companheiro de equipe
Chris Chelios venceu seu segundo Norris. Doug Gilmour recebeu como prêmio
de consolação o Selke; Teemu Selanne, um previsível
Calder.
Bem, isso foi o que aconteceu na NHL dez anos atrás. Na atual
temporada, o Montreal Canadiens não irá aos playoffs;
os Kings também não. Os dez maiores pontuadores da temporada
de 1992-93 ultrapassaram a marca de 120 pontos. Hoje apenas três
podem chegar à marca dos cem. Mario Lemieux continua com sua
média impressionante de pontos por partida, assim como com os
problemas nas costas. Sua equipe não é mais a mesma: em
vez do Troféu dos Presidentes, a luta é no fundo da tabela.
Os Rangers, assim como em 1993, irão ver os playoffs pela TV.
Bettman, que assumiu com o intuito de fazer a liga crescer em todos
os aspectos, vê uma segunda grande greve se aproximar em seu mandato.
Termino agradecendo a oportunidade de fazer parte da equipe Slot BR,
e que seja o primeiro de muitos aniversários. Um grande abraço
à turma que faz a revista, um obrigado à galera que incentiva
visitando e enviando comentários a cada edição
e aos amigos Adler e Alfaro, que sempre indicam a página nas
transmissões das partidas. Vida longa à Slot BR.
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Eduardo Costa está sem computador para conferir as
novidades da NHL e, por isso, vem usando e abusando da máquina
do tempo.
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RUMO À FINAL
O "Great One" Gretzky bate Felix Potvin três vezes, incluindo o
gol da vitória, e os Kings vencem os Leafs na sétima partida da
final da conferência Campbell (Craig Robertson/Toronto
Sun - 05/1993) |
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ÚLTIMA CONQUISTA O
time dos Canadiens em 1992-93 (Arquivo The Slot BR - 05/1993) |
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