Por
Thomaz Alexandre
Quando o New Jersey Devils mandou Jason Arnott embora e adquiriu Joe
Nieuwendyk, trocou alguém que decepcionou como candidato a líder por
um veterano que já venceu e já decidiu.
Quando eles se deram ao luxo de mover Kevin Constantine ao cargo de
assistente e abusar do mercado trazendo Pat Burns para treinar o time,
algo de maior estava a caminho.
O sistema Burns-Constantine -- Constantine e Burns, dois profissionais
de ponta na NHL, têm exibido formas semelhantes de trabalhar nos recentes
anos. Como se não bastasse a qualidade individual de cada um, ainda
estão coesos.
Ambos são disciplinadores. Na defesa, as ordens são "ficar em casa",
arriscar-se pouco, e, para um defensor sob o comando destes dois, ser
ofensivo é passar da linha azul e imediatamente disparar, para novamente
se posicionar à espera da sobra ou de um contragolpe adversário. No
ataque, gostam de ter dois pares bem distintos de linhas: um par que
vá ao gelo para evitar, outro para pontuar.
Entre o par de linhas que vão para marcar, geralmente uma é de homens
bem instruídos na armadilha defensiva, que Jacques Lemaire popularizou
enquanto levava o próprio New Jersey à sua primeira Copa. A outra,
obviamente, trará os mais duros atacantes de choque.
Quanto às linhas ofensivas, a comissão estelar dos Devils precisou
chegar a um acordo. Enquanto Burns tenta simplesmente reconfigurar as
linhas quase que de jogo a jogo, Constantine adota a seguinte postura,
de que os torcedores dos Penguins provavelmente se lembram: coloca os
seus dois patinadores ofensivos de menor expressão numa linha com o
craque do time e, na outra, deixa três atacantes equilibrados.
Para que os dois técnicos fundissem essas propostas em uma, foi preciso
considerar dois jogadores se revezando como "craque do time",
o pivô da formação de uma das linhas ofensivas. Esses seriam o tcheco
Patrik Elias, o mais regular pontuador de New Jersey nas últimas
quatro temporadas e meia, e o armador Scott Gomez, calouro do ano de
2000. Num jogo um deles estaria na "linha equilibrada", geralmente
formada por Nieuwendyk e Jeff Friesen; no outro estaria provavelmente
com algum pareamento entre Jamie Langenbrunner, Sergei Brylin ou o ascendente
Jiri Bicek.
Pausa: esta parte do plano não deu certo. O time não conseguia marcar
gols com regularidade. Três pró em um jogo era luxúria. E, durante meses,
os Devils venciam os jogos mesmo assim.
Inexplicável? Não: Martin Brodeur. Ele e uma defesa, que compreende
também os trios de choque, cuja confiabilidade faz inveja a qualquer
software antivírus.
Da linha azul a debaixo das traves -- Pouco se pode argumentar
contra a defesa do New Jersey. Possui adeptos do hóquei à antiga, brutamontes
que nenhum armador ou finalizador desejam encontrar pela frente. Scott
Stevens, Ken Daneyko e Colin White são mais dignos de advertência pelo
Ministério da Saúde do que qualquer cigarro.
Scott Niedermayer e Brian Rafalski, por sua vez, possuem posicionamento
e técnica retumbantes e apresentam, jogo a jogo, números de patinação
quase artística. Em vantagem numérica, seu controle de disco pode abrir
qualquer linha de frente. E o veteraníssimo sueco Tommy Albelin, a quem
esperteza não falta à beira dos 40 anos, também traz ainda o
gás suficiente nas rodadas pernas.
Se com uma defesa dessas até um par de "gelos baianos" faria
frente a Nikolai Khabibulin, imagina se o homem lá atrás for aquele
que, muitos esperam, baterá todos os recordes de goleiros na NHL? Um
deles Martin Brodeur acaba de tomar para si, tornando-se o único goleiro
a ter conseguido 30 ou mais vitórias em oito temporadas consecutivas.
E contando.
Brodeur não atingiu esse feito, registrado na vitória de 3-2 sobre o
Minessota no domingo passado, à toa. Ano após ano, geralmente sem um
reserva à altura ou capaz de jogar mais de 12 jogos numa temporada,
Brodeur jogou como um animal de tração. E nunca se contundiu. Não é
de se estranhar que tenha conseguido o respeito não só da liga, mas
de sua defesa, que, por mais estelar que seja, está disposta a se sacrificar
por ele.
Uma nota de como a defesa dos Devils é valiosa: Corey Schwabb, o reserva
deste ano e, talvez, aquele em melhor forma que Brodeur já teve, em
ritmo de disputar 16 jogos na temporada, possui média de 1,18 (!) gols
sofridos por partida e 94,3% (!!!) de defesas. E, para ver como o ataque
dos Devils passou metade da temporada inerte, esses números de Schwabb
foram suficientes para "apenas" seis vitórias nos dez jogos
que disputou.
Como os velhos tempos ensinaram o ataque a fazer a curva -- Aqui,
é preciso dar créditos a fatores externos e aos próprios jogadores envolvidos,
pois Pat Burns esteve sempre a ponto de achar a solução e desprezá-la
em seguida.
Como já visto, Burns e Constantine são fiéis a seus planos e não levam
muito em conta o passado dos jogadores. Também não são muito de ouvir
conselhos.
Foi preciso errar muito com o ataque e tentar muitas combinações, até
chegar ao entrosamento de agora. Burns chegou a escalar Elias de central
e Gomez de asa, quando ambos penaram. A decepção era tanta que até uma
visita do consultor e ex-técnico campeão pelos Devils Larry Robinson
foi um fator. A família, os amigos e este antigo professor certamente
tiveram papel fundamental na retomada de confiança dos dois.
Foi de tanto tentar que Burns acabou colocando Gomez para servir de
central para Elias e Bicek. Gomez e Elias já haviam sido inspiração
mútua quando Elias viu sua "Linha-A" (Petr Sykora - Arnott
- Elias) quebrada pela troca do central e quando Gomez passava pela
má fase do segundo ano (Sophomore Jinx).
Esta nova linha passou a produzir a bastante contento, e com ela os
Devils não precisavam mais vencer por 1-0, 2-1 toda noite nem mais chamar
4-2 de goleada.
Em dez jogos, a dupla Patrik Elias-Scott Gomez produziu sete gols e
18 assistências. Na outra linha ofensiva, Nieuwendyk e Langenbrunner
reviviam seu sucesso conjunto de Dallas e de seu primeiro ano em New
Jersey. Os quatro subiram muito na tabela de pontuadores do time. No
período, o New Jersey teve campanha de 9-0-0-1. Até que Sergei Brylin
se contundiu e a teimosia de Burns tentou traí-lo.
Com a contusão de Brylin, sua vaga na linha defensiva, com Jay Pandolfo
e John Madden, precisava ser preenchida. Turner Stevenson parecia se
encaixar, mas Burns acabou movendo Elias para o lugar de Brylin e Stevenson
para de Elias. Como você pode imaginar, Elias numa linha de choque e
Stevenson numa linha de jogadores velozes e técnicos não funcionaram.
A seqüência invicta dos Devils foi interrompida no único jogo em que
essa formação atuou: 4-2 para o Atlanta Thrashers.
Por maior que o orgulho de Burns seja, ele não quer perder e começa
a mostrar que aceita aquilo que está na cara: reuniu a dupla de artistas
no jogo seguinte, eles marcaram o gol da virada e o time venceu. Brodeur
conseguiu o recorde.
Brylin deve ficar três meses fora, e só volta se o New Jersey chegar
aproximadamente às finais de conferência. Até lá, Burns pode tentar
de tudo, mas duvido que insista até que Elias funcione numa linha de
choque.
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Thomaz Alexandre lamenta por Sather e Kovalev, que ficarão
fora dos playoffs, e por Craig Patrick, que, mais uma vez, cedeu
por lucros a longínquo e mais que duvidoso prazo. |
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