Por
Humberto Fernandes
Quando Don Waddell vice-presidente e gerente geral do Atlanta Thrashers
anunciou a contratação do treinador Bob Hartley, seu
discurso pareceu fantasioso demais para o desempenho que a equipe vem
mostrando nestes anos: "Bob é um vencedor nato na NHL e
tem um expressivo histórico de sucesso", declarou ele. "Contratá-lo
como treinador é outro grande exemplo de nossos esforços
para continuar a construir e melhorar nossa equipe. Sua liderança
e experiência atrás do banco serão uma grande vantagem
para todos os nossos jogadores agora e nos muitos anos que virão".
Sem dúvida alguma foi uma boa aquisição dos Thrashers.
Eles viram que Hartley estava desempregado e logo fizeram uma proposta
irrecusável ao treinador, que não teve como recusar. Exatamente
o contrário. Foi Hartley quem tomou as rédeas da negociação
e procurou a equipe. Uma atitude, no mínimo, questionável.
Você é treinador do Colorado Avalanche, um dos melhores
times da liga. Durante quatro temporadas em que permaneceu no cargo,
conduziu o time a quatro títulos de divisão e, mais impressionante,
chegou a quatro finais de conferência. Se não bastasse,
venceu uma Stanley Cup. E não pára aqui. Na temporada
2000-01, conseguiu os recordes de mais pontos (118), vitórias
(52), vitórias em casa (28) e menos gols sofridos (192) em uma
temporada na história da franquia, além de igualar a marca
de mais vitórias fora de casa (24). Naquele mesmo ano, permaneceu
invicto durante os 11 primeiros jogos o melhor início
de temporada da franquia e atingiu a marca dos 40 pontos com
a sétima melhor campanha da história da liga. No total,
193 vitórias em temporada regular, o maior montante de um treinador
naquela franquia. Apesar de todos estes números, você é
sumariamente demitido após um início ruim em sua quinta
temporada. Imediatamente, o que faz?
a) relaxa e espera outra grande equipe o procurar, ou
b) se oferece a uma equipe duvidosa, pra não dizer pequena.
Geralmente, a primeira opção é a mais acionada
nestes casos. Entretanto, Hartley seguiu o outro caminho. "Eu quis
adicionar outra pena ao meu boné", disse o treinador, que
tinha contrato com o Avalanche até a próxima temporada.
"Eu tive sorte em meu primeiro trabalho já vencer a Copa
Stanley. Aqui, é um desafio levar este grupo aos playoffs. Mas
nós vamos fazer isso". Confiança não lhe falta:
"Nós vamos fazer isso. Não aposte contra nós".
Mudar os rumos da vida drasticamente não é novidade para
Hartley. Quando ele decidiu abandonar um bom e seguro emprego em uma
fábrica de pára-brisas pela chance de treinar hóquei,
seus colegas de trabalho pediram para que reconsiderasse. "Eles
me disseram, 'Não vá. Você só vai conseguir
ser demitido'", lembra-se Hartley, com um sorriso. "Bem, eles
estavam certos, mas isso levou 16 anos para acontecer".
Daí em diante, Hartley desafiou as probabilidades. Crescendo
em Ontario, sonhou em se tornar o novo Ken Dryden ou Guy Lafleur. Entretanto,
seguiu o pai, indo trabalhar em uma indústria de papel. O salário
era bom, mas a carga de trabalho encerrou a carreira do jovem Bob no
hóquei júnior aos 18 anos.
Quando a indústria fechou, Hartley conseguiu emprego em outra
fábrica, de pára-brisas. O hóquei ainda estava
em seu sangue, então assumiu um trabalho de meio período
com o time júnior local para auxiliar os goleiros. O Hawkesbury
Hawks perdeu as oito partidas.
"Eu realmente estava fazendo um ótimo trabalho como treinador
de goleiros", disse Hartley sarcasticamente. "E imagino que
tenhamos sofrido 88 gols em oito jogos".
Ainda assim, quando o treinador principal saiu, o dono dos Hawks pediu
a Hartley que assumisse o time. Ele estava hesitante, mas os jogadores
o persuadiram a aceitar. Conciliando o seu trabalho na fábrica
e o time, conseguiu vencer nove partidas.
"Nós tínhamos nove times na liga", recorda,
"e os oito primeiros iriam para os playoffs. Felizmente para nós,
um time teve apenas três vitórias".
Os Hawks abriram os playoffs contra o melhor time da liga. E não
pense que eles foram destruídos assim. Conseguiram vencer um
jogo, o suficiente para Hartley perceber que deveria levar sua vida
em outra direção. Foi neste momento que deu adeus à
vida de um trabalhador comum e tornou-se um treinador de verdade.
A escalada até a NHL não foi das mais difíceis,
devido ao seu bom trabalho, coroado por título em todas as ligas.
Na Liga Júnior Central de Ontario, levou os Hawks ao bicampeonato;
com o Laval Titans, foi campeão da Principal Liga Junior de Quebec;
encerrando o caminho pelas ligas menores, sagrou-se campeão da
Liga de Hóquei Americana com o Hershey Bears afiliado menor
do Avalanche.
Em 1998, o então treinador dos Avs, Marc Crawford, não
renovou seu contrato, após intensa discussão. Hartley
assumiu o posto, mas ninguém sabia ao certo como este simples
treinador poderia lidar com um time cheio de grandes estrelas. Três
temporadas mais tarde, a resposta: uma Copa Stanley. Mas, para o Avalanche,
sempre há as melhores expectativas, e quando o time iniciou de
maneira irregular a atual campanha, Hartley foi demitido pela primeira
vez em sua carreira.
"Não era divertido, pode acreditar", disse Hartley.
"Desde o dia em que comecei treinando, eu reconheci que você
nunca sabe se aquele dia seria o seu último. É como caminhar
em um precipício repleto de rochas circulares. Se você
pisa errado, cai ao fundo do precipício. Mas você continua
caminhando".
E Hartley assumiu um time que sempre esteve no fundo deste precipício.
Nada como ser o pior da liga por duas vezes e na quarta temporada deter
a pior marca. Temporariamente. Em sete jogos sob seu comando, os Thrashers
venceram cinco vezes, empataram uma e perderam outra. Logo na estréia,
vitória por 1-0 na prorrogação contra o Montreal
Canadiens. À frente, surraram o St. Louis Blues por 8-4 e jogaram
na igualdade com o Ottawa Senators, empatando em 3-3.
A prioridade de Hartley ao iniciar seu trabalho era melhorar a medíocre
defesa dos Thrashers. Conseguiu derrubar a média de 3,8 gols
sofridos por jogo para 2,15 contando com a sorte do fraco Byron Dafoe
estar machucado (por que será que o Boston Bruins não
quis renovar seu contrato antes da temporada?).
Aparentemente, faltava ao time responsabilidade. E sem dúvida
alguma esta é a maior característica de Hartley, tanto
que alguns fãs do Avalanche disseram que foi a principal causa
de sua demissão, já que seu estilo incomodava os jogadores,
pelo excesso de cobranças. Em Atlanta, ninguém vai reclamar
disso. Não agora, enquanto a equação Hartley +
jovens estrelas + bons veteranos continuar trazendo resultados.
Se ele não conta mais com Patrick Roy, para o seu lugar há
Pasi Nurminem. Quem não tem Rob Blake, joga com Andy Sutton.
E no ataque, sem Peter Forsberg e Joe Sakic, uma salva de palmas para
Ilya Kovalchuk e Dany Heatley. Shawn McEachern, Slava Kozlov e Patrik
Stefan provêem alguma profundidade.
E se você ainda não acredita que Hartley possa levar os
Thrashers aos playoffs, saiba que em todos os 14 anos de sua carreira,
o time que dirigia avançou à pós-temporada, conquistando
cinco títulos, vencendo mais de 40 jogos na por oito vezes e
mais de 30 em 13 oportunidades. Ele adora desafios, e este é
o maior de sua carreira. São 12 pontos o separando dos playoffs.
"Talvez nós iremos chocar a todos no Leste e ir aos playoffs".
|
Humberto Fernandes acha mesmo é que o grande problema do
Atlanta Thrashers está em Urgh, quer dizer, Uwe Krupp. |
|
|
DE OLHO NOS PLAYOFFS De cabeça
erguida, Bob Hartley se ofereceu para comandar o Atlanta Thrashers,
então o pior time da liga, com o desafio de levá-los
aos playoffs. "Não aposte contra nós" (Tami
Chappell/Reuters - 15/01/2003) |
|