Por
Eduardo Costa
Nunca um campeão de Stanley Cup teve um contingente tão
grande de jogadores europeus. Nada menos que 12 jogadores nascidos no
velho continente fizeram parte do elenco do Detroit Red Wings, e, desta
vez, os tchecos foram tão numerosos quanto os já tradicionais
russos em Hockeytown: quatro Tchecos (Dominik Hasek, Jiri Fischer, Jiri
Slegr e Ladislav Kohn), quatro Russos (Igor Larionov, Maxim Kuznetsov,
Sergei Fedorov e Pavel Datsyuk), três suecos (Fredrik Olausson,
Nicklas Lidstrom e Tomas Holmstrom) e um alemão (Uwe Krupp) colaboraram
para a décima Stanley Cup do Detroit Red Wings.
Com isso, não é difícil de se acreditar que finalmente
um jogador europeu tenha ganho o Troféu Conn Smythe como melhor
jogador dos playoffs e finalmente um goleiro europeu tenha sido titular
de uma equipe campeã.
Hasek -- Com uma medalha de ouro olímpica, seis Troféus
Vezina e dois Troféus Hart no currículo, só faltava
o cálice sagrado do hóquei. Faltava. Nenhum goleiro do
mundo possui o que Hasek tem. Roy pode até vencer o Hart algum
dia, pode ser até em breve, mas a medalha de ouro já está
longe das possibilidades de Patrick Roy. O que aconteceria se Hasek
tivesse jogado toda sua carreira num clube de ponta? Roy seria o rei
dos goleiros? Nas duas vezes em que eles se encontram em playoffs (além
da disputa nestes playoffs, eles disputaram a semifinal Canadá
x República Tcheca nas Olimpíadas de Nagano) Hasek levou
a melhor, incluindo shutouts do dominador. Roman Turek, do Dallas Stars,
em 1999, e o suíço David Aebischer, em 2001, foram campeões,
mas não como titulares, o que torna o feito de Hasek ainda mais
especial.
Nicklas Lidstrom -- O que dizer de um defensor que teve uma média
de 31 minutos de gelo nos playoffs, cometeu apenas uma penalidade e
marcou gols fundamentais como o do meio da rua contra Cloutier, que
marcou a virada do Detroit sobre os Canucks, além de ter atuado
as últimas duas séries com problemas no ombro? Ser o primeiro
europeu a ganhar o Conn Smythe é um justo prêmio não
só pelo que o sueco fez nestes playoffs, mas aos onze brilhantes
anos defendendo o Detroit.
Fredrik Olausson -- Campeão após 15 temporadas
na NHL, começou os playoffs sem vaga no time titular, depois
que entrou a equipe deslanchou. Como jogou na mesma linha que Lidstrom
no início da temporada regular e nos Jogos Olímpicos,
já possuía o entrosamento necessário. Seu gol na
prorrogação contra o Avalanche no jogo três, por
si só, o qualifica como um dos heróis da conquista. Infelizmente,
voltará ao seu clube de origem, o Farjestad da Liga Elite sueca.
Jiri Fischer -- É o Anders Eriksson que deu certo. Ganhou
a confiança da comissão técnica, coisa que o gordinho
sueco, hoje no Toronto Maple Leafs, nunca conseguiu. Pelo menos os dois
tiveram em comum a sorte de contar com gênios ao lado: Eriksson
teve Slava Fetisov; Fischer teve Chris Chelios. Tem ótima presença
física e, apesar do tamanho, possui recursos ofensivos.
Jiri Slegr -- Com a suspensão de Fischer, entrou no melhor
da festa. Parecia mais inclinado a sair, já que vai se tornar
agente livre, mas, com a saída de Olausson, pode continuar. Pelo
que jogou na final, tem o aval dos torcedores.
Uwe Krupp -- Jogou os dois primeiros jogos dos playoffs. O resultado?
Duas derrotas dos Wings para os Canucks e -5 de mais/menos para o alemão.
Vai se tornar agente livre e não tem ninguém em Hockeytown
que queira ele de volta. Que o Avalanche o carregue.
Tomas Holmstrom -- Após marcar apenas oito gols na temporada
regular e um mais/menos de -12, o sueco deslanchou nos playoffs. Foram
oito gols e +7. Abriu o caminho do título ao marcar o primeiro
gol no jogo 5. E marcou dois gols no épico jogo 7 contra o Avalanche.
Soube aproveitar a genialidade de Igor Larionov.
Pavel Datsyuk -- Quem vê Datsyuk partindo para cima dos
defensores, como ele fez contra Marek Malik, não imagina que
esta foi sua primeira temporada na NHL. Cria jogadas como Larionov,
domina o disco como Samsonov. Se marcasse gols como Pavel Bure seria
o novo Gretzky. Mas aí é pedir demais.
Sergei Fedorov -- Chegou a jogar como defensor durante a temporada
regular. Como recompensa, foi dos atacantes o que teve mais tempo de
gelo nos playoffs. A exemplo de 1997 e 1998, brilhou na pós-temporada.
Igor Larionov -- Jogo 3 das finais em Raleigh. Na terceira prorrogação,
o jogador mais velho no gelo marca o gol mais importante do título.
Com o gol, o professor tornou-se o "menos jovem" a marcar
em uma final de Stanley Cup. Larionov é desses gênios raros
que faz com que cada jogada se assemelhe a uma obra de arte. Dois passes
para Holmstrom no jogo 5 comprovaram isso. O mais belo deles nem terminou
em gol, mas isso ficou em segundo plano. Tem qualidade para atuar em
mais uma temporada, pelo menos.
A razão de tantos europeus no time é explicada pela admiração
que Scotty Bowman tem em relação a eles, em especial aos
russos. Quem nunca ouviu falar dos "Cinco Russos" ou "Mágicos
de Ov"? Larionov, Fetisov, Fedorov, Slava Kozlov e Vladimir Konstantinov
juntos revolucionaram uma liga acostumada com a tática rife-e-busque,
onde se joga o disco para a zona ofensiva para recuperá-lo à
força. Como os treinadores não dormiram no tempo, logo
criaram suas armas para combater o jeito russo de se jogar. Jacques
Lamaire introduziu a armadilha na zona neutra, que deu certo em 1995,
mas não em 2002 (pode não ter sido escancarada, mas que
teve uma pitada "Lemairiana" teve). O ferrolho armado por
Paul Maurice fez suas vítimas, mas não funcionou contra
os Red Wings, embora os primeiros jogos tenham sidos bem duros. Quem
acompanhou as finais não raro assistiu a Fedorov, Larionov e
Datsyuk regressarem a sua própria zona de defesa para tentar
uma nova jogada ou então encarar os defensores de frente, como
fez Datsyuk no jogo 3 contra os Hurricanes. Paciência é
a alma do negócio para se criar algo belo e, ao mesmo tempo,
competitivo. Até mesmo jogadores como Doug Brown (que, de tanto
atuar ao lado dos russos, ganhou o apelido de camarada Brownov) se adaptaram
ao estilo europeu de se jogar hóquei. Como bem disse Fetisov
em meados dos anos 90: "Sem os europeus, a NHL jamais se expandiria
a 26 equipes; não haveria talento suficiente".
Voltando ainda mais no tempo, chegamos ao recrutamento de 1989, onde
três jogadores europeus foram escolhidos pelo Detroit: Lidstrom
na terceira rodada (53.ª escolha geral), Fedorov na quarta (74.ª
geral) e Vladimir Konstantinov na 12.ª rodada (221.ª escolha
geral). A razão de terem sido recrutados tardiamente talvez sejam
a incerteza do clube em poder contar com os jogadores. Na época
do recrutamento, Fedorov e Konstantinov ainda pertenciam à Rússia
comunista e Lidstrom não tinha em mente largar sua pacata cidade
para atuar em Detroit. Felizmente para o hóquei, o sistema comunista
caiu ainda em 1989. E Lidstrom mudou de idéia. Konstantinov participou
do título de 1997 e os outros dois das três conquistas.
Sem eles, talvez nem estaríamos aqui falando dos três títulos
em seis anos.
Invasão européia -- Como foi a primeira conquista
para Hasek, Datsyuk, Olausson, Kuznetsov, Fischer, Kohn e Slegr, agora
o número de europeus campeões da Stanley Cup sobe para
65.
Saindo de Hockeytown e indo para a Finlândia: é de lá
que vêm os dois europeus com mais copas: Jari Kurri (cinco com
os Oilers) e Esa Tikkanen (quatro com os Oilers e uma com os Rangers),
seguidos pelos suecos Stefan Persson e Anders Kallur, membros dos quatro
títulos dos Islanders no início da década de 80.
Segue a lista completa dos jogadores europeus que têm seus nomes
gravados na Stanley Cup. Notem que jogadores nascidos na Europa, mas
que não chegaram a atuar por lá não entram na lista,
como é o caso de Stan Mikita (campeão com os Blackhawks
na década de 60). Alguns jogaram boa parte da temporada regular
e, por motivos de contusão ou escolha do treinador, não
participaram dos playoffs entraram na lista.
1980 New York Islanders
Stefan Persson (SUE), Anders Kallur (SUE).
1981 New York Islanders
Stefan Persson (SUE), Anders Kallur (SUE).
1982 New York Islanders
Stefan Persson (SUE), Anders Kallur (SUE), Tomas Jonsson (SUE).
1983 New York Islanders
Stefan Persson (SUE), Anders Kallur (SUE), Tomas Jonsson (SUE), Mats
Hallin (SUE).
1984 Edmonton Oilers
Jari Kurri (FIN), Willy Lindstrom (SUE), Jaroslav Pouzar (TCH), Raimo
Summanen (FIN).
1985 Edmonton Oilers
Jari Kurri (FIN), Willy Lindstrom (SUE), Jaroslav Pouzar (TCH), Esa
Tikkanen (FIN).
1986 Montreal Canadiens
Mats Naslund (SUE), Kjell Dahlin (SUE), Petr Svoboda (TCH).
1987 Edmonton Oilers
Jari Kurri (FIN), Kent Nilsson(SUE), Jaroslav Pouzar (TCH), Reijo Ruotsalainen
(FIN), Esa Tikkanen (FIN).
1988 Edmonton Oilers
Jari Kurri (FIN), Esa Tikkanen (FIN).
1989 Calgary Flames
Hakan Loob (SUE), Jiri Hrdina (TCH), Sergei Priakhin (RUS).
1990 Edmonton Oilers
Jari Kurri (FIN), Reijo Ruotsalainen (FIN), Esa Tikkanen (FIN), Petr
Klima
(TCH), Anatoli Semenov (RUS).
1991 Pittsburgh Penguins
Jaromir Jagr (TCH), Jiri Hrdina (TCH), Ulf Samuelsson (SWE).
1992 Pittsburgh Penguins
Jaromir Jagr (TCH), Jiri Hrdina (TCH), Ulf Samuelsson (SWE), Kjell Samuelsson
(SWE).
1993 Montreal Canadiens
Oleg Petrov (RUS).
1994 New York Rangers
Esa Tikkanen (FIN), Alexander Karpovtsev (RUS), Alexei Kovalev (RUS),
Sergei Nemchinov (RUS), Sergei Zubov (RUS).
1995 New Jersey Devils
Tommy Albelin (SUE), Sergei Brylin (RUS), Robert (Bobby) Holik (TCH),
Valeri Zelepukin (RUS).
1996 Colorado Avalanche
Peter Forsberg (SUE), Alexei Gusarov (RUS), Valeri Kamenski (RUS), Uwe
Krupp (ALE), Sandis Ozolinsh (LET).
1997 Detroit Red Wings
Sergei Fedorov (RUS), Vyacheslav Fetisov (RUS), Tomas Holmstrom (SUE),
Vladimir Konstantinov (RUS), Vyacheslav Kozlov (RUS), Igor Larionov
(RUS), Nicklas Lidstrom (SUE), Tomas Sandstrom (SUE).
1998: Detroit Red Wings
Anders Eriksson (SUE), Sergei Fedorov (RUS), Vyacheslav Fetisov (RUS),
Tomas Holmstrom (SUE), Vyacheslav Kozlov (RUS), Igor Larionov (RUS),
Nicklas Lidstrom (SUE), Dmitri Mironov (RUS).
1999 Dallas Stars
Jere Lehtinen (FIN), Roman Turek (TCH), Sergei Zubov (RUS).
2000 New Jersey Devils
Sergei Brylin (RUS), Patrik Elias (TCH), Bobby Holik (CHE), Vladimir
Malakhov (RUS), Alexander Mogilny (RUS), Sergei Nemchinov (RUS), Krzysztof
Oliwa (POL), Petr Sykora (TCH).
2001 Colorado Avalanche
David Aebischer (SUI), Peter Forsberg (SUE), Milan Hejduk (TCH), Ville
Nieminen (FIN), Martin Skoula (TCH).
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Eduardo Costa deixou a barba crescer como manda a tradição dos
playoffs, mas ficou a anos-luz de Lanny McDonald — mas um dia ele
chega lá. |
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