Por
Eduardo Costa
Em 1955 Toe Blake era contratado pelo Montreal Canadiens para, principalmente,
lidar com o temperamento explosivo de Maurice Richard, seu ex-companheiro
de linha, e evitar mais uma conquista dos Red Wings. Já em sua
primeira temporada, Blake conquistou a Stanley Cup. No total, foram
oito conquistas em 13 temporadas, incluindo cinco consecutivas. No mesmo
ano, William Scott Bowman, com a carreira encurtada devido a uma contusão
sofrida em março de 1952, tornou-se treinador das equipes juniores
do Montreal e, não raro, era encontrado junto a Toe discutindo
tudo relacionado a hóquei.
Na temporada de 1967-68 Bowman iniciava sua carreira na NHL de forma
arrasadora, levando o também estreante St. Louis Blues à
final. Final essa disputada contra o Montreal Canadiens de... Toe Blake,
que disputava sua última temporada como treinador. Blake levou
a melhor na oportunidade, mas, algumas décadas depois, Bowman
encerraria sua carreira com nove Stanley Cups, 36 vitórias em
finais (duas a mais que Blake), 1.244 vitórias em jogos de temporada
regular e 223 nos playoffs, além de 2.141 jogos. Recorde, recorde,
recorde, recorde e recorde, respectivamente.
O próprio Bowman diz que nada se compara a ganhar oito copas
em 13 temporadas, mas é bom lembrar que na época em que
Blake era treinador, a liga se restringia aos "Seis Originais".
Outro detalhe que assusta é que apenas Montreal (24), Toronto
(13) e Detroit (10) possuem mais copas que Bowman. Nem mesmo os originais
Rangers, Bruins e Blackhawks (fundados nos anos 20) chegam perto.
Após esta última copa, Bowman disse que espera viver o
bastante para ver seus recordes quebrados. Apesar de desejar vida longa
ao mestre, ele não é o highlander Mark Messier. Seus recordes
se juntam ao do Montreal Canadiens e seus 24 títulos, juntam-se
aos 2.857 pontos de Wayne Gretzky, aos 139 pontos de um defensor, que
pertence a Bobby Orr na temporada de 1970-71, aos 13 gols em desvantagem
numérica de Mario Lemieux em 1988-89. Recordes que permanecerão
intactos por um bom tempo, alguns quem sabe para todo o sempre.
É claro que não se trata apenas de números. Bowman
conseguiu extrair o melhor de qualquer jogador, fosse ele Mario Lemieux,
Kirk Maltby, Steve Yzerman ou Rick Tocchet. Saber como motivar cada
jogador e utilizar todos os recursos disponíveis para vencer
um jogo diferenciou-o dos outros treinadores, justiça seja feita
a alguns poucos, como Al Arbour, Bob Johnson e Glen Sather. Além
de ter "sobrevivido" na NHL em cinco décadas diferentes
com mudanças radicais em vários aspectos, sem nunca ter
sido demitido como treinador (foi destituído do cargo de diretor
geral dos Sabres após a temporada de 1986-87), contrariando a
máxima de que treinadores são contratados para ser demitidos.
Treinar grandes equipes ajudou também. Bowman contava com nove
futuros membros do Salão da Fama na equipe do Montreal Canadiens
cinco vezes campeã nos anos 70: Yvan Cournoyer, Ken Dryden, Bob
Gainey, Guy Lafleur, Guy Lapointe, Jacques Lemaire, Larry Robinson,
Serge Savard e Steve Shutt. Entre os feitos daquela equipe está
o de ter feito o maior número de pontos em uma temporada na história
da NHL (não foram os Oilers!), com 132 (60-8-12) na temporada
de 1976-77.
No Pittsburgh Penguins, onde assumiu após a morte de Bob Johnson,
encontrou Mario Lemieux, Joe Mullen, Ron Francis, Larry Murphy, Jaromir
Jagr, Bryan Trottier, Jiri Hrdina e Kevin Stevens. Sob seu comando,
os Pens obtiveram sua melhor campanha na história em pontos (119)
e vitórias (56) na temporada de 1992-93. Além da copa,
em 1992.
Contratado pelo Detroit em 1993, Bowman levou a equipe à final
da copa em 1995 (a primeira do clube desde 1966). Na temporada seguinte,
revolucionou ao introduzir a primeira linha inteiramente russa na liga, quando
bateu o recorde de vitórias na história da NHL
em uma única temporada, com 62, e terminou com 131
pontos, um a menos que o somado pelos Habs em 1977. Apesar de os três
primeiros anos terem sido fantásticos, as derrotas para Sharks
(94), Devils (95) e Avalanche (96) doeram fundo em Hockeytown. A reviravolta
veio em 1997, em especial na série contra o Avalanche. No decisivo
jogo 6 da série, a vitória por 3-1 (42-16 para o Detroit
em chutes) levou a equipe novamente às finais, desta vez com
final feliz e varrida contra os favoritos (segundo a maioria dos analistas)
Flyers de Terry Murray. Bowman deu show ao anular a famosa linha "Legend
of Doom" de Lindros e LeClair, e a seca de 42 anos foi para o espaço.
Nessa mesma temporada chegou à histórica marca de mil
vitórias na NHL (8 de fevereiro, numa vitória contra os
Penguins). O bicampeonato em 1998, contra os Capitals, fez com que Bowman
empatasse com Blake em títulos. No mesmo ano o coração
quase o traiu, e ele teve de fazer uma cirurgia às pressas. Após
a mesma, muito se falou em aposentadoria, mas ainda havia algo a ser
ganho.
Após um hiato de três temporadas, novamente a copa voltou
para os braços de Bowman, com uma equipe recheada de craques.
Mas nem sempre é fácil lidar com tantas estrelas, isso
não é nenhuma novidade: jogadores como Luc Robitaille
e Brett Hull tiveram suas estatísticas comprometidas devido ao
menor tempo de gelo. Só que em nenhum momento foram vistos sinais
de indisciplina; muito pelo contrário: foi só seguir à
risca o que o mestre mandou e ganhar o direito de passar um dia com
a copa, colocar seu nome nela... Acredito que tenha valido a pena para
Hull ou Robitaille. Ou não?
Não se assuste se daqui a alguns anos algum destes jogadores
treinados por Bowman, se tornarem vitoriosos treinadores, como foi o
caso de Larry Robinson, Jacques Lemaire e Al Arbour. Quem sabe Yzerman
ou Larionov não sigam o legado de Bowman, assim como Scotty seguiu
os de Toe Blake 50 anos atrás.
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Eduardo Costa teve que resumir seu texto original pela metade,
mas gostaria de dizer que cada torcedor dos Wings espalhado pelo
mundo será eternamente grato ao mestre. |
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