Por
Marcelo Constantino
Olhar apenas para o lamentável final nos faz cegos para toda
a linda trajetória do Montreal Canadiens nesta temporada. O retorno
do capitão Saku Koivu após uma vitoriosa batalha contra
o câncer, as milagrosas defesas de Theodore, a ressurreição
de Gilmour e, claro, o retorno do time à elite da NHL.
Depois do recorde negativo de ficar de fora dos playoffs por 3 temporadas
consecutivas, a praga finalmente poderia ser exterminada.
Mesmo com a fragorosa eliminação para o Carolina Hurricanes,
o time mais tradicional da NHL - vencedores de 24 Stanley Cups - parece
estar de volta ao circuito dos candidatos ao título.
Nas últimas três temporadas os Habs sofreram com inúmeras
contusões - que somam mais de 1.300 jogos perdidos pelos jogadores.
Nesta temporada, o Montreal trouxe seus torcedores de volta com uma
magnífica escalada final rumo aos playoffs e ainda vencendo o
odiado Boston Bruins, primeiro colocado na Conferência Leste,
na primeira fase, antes de ser defenestrado pelos Canes em seis jogos.
Assistindo aos dois jogos finais da série, quando os Canes marcaram
13 gols e sofreram apenas 3, é difícil acreditar que os
Canadiens estiveram a apenas 40 segundos de estarem 3-1 em partidas.
Mas acabou, é História.
Os poucos torcedores que ficaram até o final da terrível,
fatídica e definitiva goleada de 8-2 no jogo 6 fizeram tanto
barulho que o Molson Centre parecia cheio. O barulho não era
vaia, era para saudar a bela campanha do bravo time canadense.
Jose Theodore -- O principal alvo era o goleiro José Théodore,
que havia sido sacado do gelo no fim do primeiro período e retornado
no minuto final do jogo para receber uma emocionante homenagem da torcida.
Não somente os torcedores, mas todo o banco do time começou
a bater com os tacos nas bordas em tributo ao goleiro. Todos sabem o
que Theodore fez pelo time nesta temporada e que não chegariam
tão longe sem ele.
Um dos três finalistas do Troféu Hart, principal prêmio
individual concedido a um jogador pela temporada, Theodore é
uma das peças fundamentais do futuro do time. O fato de ser franco-canadense
só torna tudo melhor ainda numa cidade como Montreal.
Facilmente apontado como a principal razão do Montreal ter chegado
aos playoffs com 30 vitórias e .93,1% de defesas, o goleiro faz
coro com o sentimento relativamente orgulhoso que emana no time:
"Encaramos vários desafios. Muita gente não acreditava
que chegaríamos aos playoffs e chegamos. Muitos disseram que
não venceríamos os Bruins e vencemos."
Saku Koivu -- Quando a temporada começou, parecia que
seria mais um longo martírio - como nos anos anteriores - até
ficar de fora dos playoffs. Ainda mais depois do capitão Saku
Koivu ter de abandonar o gelo para tentar vencer um câncer no
abdome, tendo apenas 50% de chances de sobreviver.
Aí veio o inesperado. Perigando ficar de fora da pós-temporada
mais uma vez, os Habs venceram sete jogos seguidos nas últimas
três semanas e ainda começaram a ter casa cheia. Pra emocionar
de vez, Koivu venceu o câncer e retornou de forma triunfal, no
dia da classificação para os playoffs. A história
do capitão nesta temporada é tocante.
Koivu terminou com 4 gols e 10 pontos em 12 jogos nos playoffs e ainda
distribuiu alguns bons choques, jogando com no máximo 80% de
sua capacidade física.
"Esse time batalhou o ano inteiro. Estamos todos desapontados,
detestamos perder. Mas esses dois últimos jogos não mostram
o que foi o ano todo. Todo mundo dizia que não chegaríamos
aos playoffs", diz Koivu.
O time, hoje e amanhã -- Fazendo boa política,
o gerente geral do Montreal Andre Savard trouxe e promoveu alguns jogadores
franco-canadenses para o time - que ainda ajudaram bastante na campanha.
Yanic Perreault liderou o time na temporada com 27 gols e 56 pontos
e Donald Audette marcou 6 gols nos playoffs, mesmo estando se recuperando
de uma greave contusão sofrida no braço em janeiro.
O que acontecerá com Doug Gilmour, que saiu da aposentadoria
para assinar com os Canadiens em outubro? Gilmour tem passe livre, está
para fazer 39 anos de idade, marcou 10 pontos nos playoffs e mostrou
toda sua importante liderança de quase duas décadas de
NHL. Ele deverá se reunir com Savard para conversar sobre seu
futuro no time.
Michel Therrien -- Assim como deverá fazer o técnico
Michel Therrien, protagonista do lance que mudou definitivamente a história
da série com os Hurricanes. Jogo 4, 3º período, Montreal
jogando em casa e vencendo a partida por 3-0 e a série por 2-1.
Stephane Quintal é penalizado por um choque cruzado (cross-checking)
e Therrien começa a reclamar da marcação. Abre
os braços, berra com o juiz Kerry Frazer, que lhe aplica uma
nova penalidade por tanta reclamação.
Isso deu dois homens de vantagem para o Carolina, que marcou e começou
a escalada da virada de 4-3 até a prorrogação.
Típico ponto de ruptura, aquilo acabou com o Montreal na série.
Uma virada dessa faria tremer as bases de qualquer grande time que estivesse
vencendo a série por 3-0, imagine um time médio, porém
bravo, como os Canadiens, que vencia por apenas 2-1.
Acreditava-se que Therrien estaria no fio da navalha em Montreal com
esse lance. Episódio esse comparado inclusive ao famoso taco
ilegal de Marty McSorley em 1993 e ao gol perdido por Esa Tikanen contra
os Red Wings em 1998 - dois dos maiores micos da história recente
da Stanley Cup. Enfim, um claro exagero da imprensa canadense, afinal
Canes x Habs sequer era uma final de conferência. O fato é
que Therrien sofre ainda com a ascensão de seu principal assistente,
Guy Carbonneau, que estava do outro lado do banco até poucos
anos atrás.
Na verdade, a atitude de Therrien não é lá muito
diferente da maioria dos técnicos da Liga. Infelizmente (para
ele) parece ter pego Fraser num dia de mau humor e pouca tolerância.
Ainda assim, um jogador que não se identificou - mas que acredita-se
ser Audette - disse, taxativamente e com palavrões, que o culpado
pela derrota fora o técnico.
Quando Kyle McLaren estraçalhou Richard Zednik com uma cotovelada
e o retirou dos playoffs, Therrien esbravejou para quem quisesse ouvir
que os Canadiens iriam se vingar em cima dos melhores jogadores do Boston
no jogo seguinte. Acabou multado por isso, acalmou-se e o Montreal venceu
no gelo, sem precisar revidar fisicamente a agressão sofrida.
Não foi uma atitude profissional, mas é fato que esquentou
e atraiu atenção para a série e para a Liga.
Michel Terrien merece continuar à frente do time.
Carolina Hurricanes -- Bom, então segue o Carolina Hurricanes,
ex-Horrorcanes, para a final da Conferência Leste contra o Toronto
Maple Leafs. Cheios de moral, ainda como azarões e cheio de jogadores
ascendentes e sub-valorizados.
Um deles, o sub-valorizado Rod Brind'Amour - vindo de uma excelente
troca pelo engana-otário Keith Primeau - bem disse: "Aquele
jogo, aquele período, realmente acabou com eles. Eu não
consigo imaginar, estando do outro lado, o que teria acontecido comigo."
Confiança, o nome que resume a ruptura.
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Marcelo Constantino Monteiro assistiu ao vivo e com tristeza
do meio do segundo período em diante ao triste fim de temporada
dos Habs. |
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AGONIA José Théodore
balança a cabeça após levar o terceiro gol no primeiro período do
jogo 7 contra os Hurricanes. Ele levaria ainda mais dois no mesmo
período, antes de ser substituído, mas a performance não apaga a
sensacional temporada que teve (Arquivo The Slot BR - 1997) |
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