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4 de abril de 2003
Wings e Avs mostram o valor de uma rivalidade

Por Ted Montgomery
Originalmente publicado em www.USATODAY.com, reproduzido aqui com a devida autorização do autor.

Traduzido por Marcelo Constantino


Eles são os dois melhores times da NHL nos últimos 10 anos. Seus capitães de longa data vestem o número 19 na camisa e estão entre os jogadores de mais classe que já praticaram este jogo. Ambos os times possuem jogadores suecos de alta qualidade que são geralmente lembrados como os melhores em suas respectivas posições. Ambos os técnicos tiveram longas carreiras na NHL como jogadores. Ambos os times têm um defensor que todo e qualquer outro time adora odiar. Ambos os times têm uma longa e documentada tradição de grandes, porém frágeis, goleiros. E estes dois times — o Colorado Avalanche e o Detroit Red Wings — têm uma coisa em comum. Eles definitivamente odeiam um ao outro.

Ah, essa inimizade tem oscilado várias vezes ao longo dos anos, mas nunca se dissipou completamente. Nem nunca irá. O mesmo sangue que tem corrido pelas veias dos jogadores de Avs e Wings desde 1996 também foi derramado, em quantidades variáveis, na arena de ambos os times. A NHL, e todos os seus torcedores, deveria se alegrar toda vez que esses rivais se encontram.

Esta é a história dessa rivalidade.

Eu estava num jogo em 15 de dezembro de 1979 quando os Red Wings protagonizaram uma improvável virada contra o Quebec Nordiques, então liderado pelos irmãos Statsny, no terceiro período do último jogo realizado no Olympia Stadium. Os Nords, uma franquia nova na NHL, advinda da WHA, já eram bem melhores que a safra de 1979 dos "dead things" [coisas mortas]. Entretanto, os fantasmas de Howe, Sawchuk, Lindsay, Abel e Delvecchio pareciam ter baixado em jogadores como Mike Foligno e Reed Larson, já que eles saíram de uma desvantagem de 4-0 para empatar com os selvagens Nordiques em 4-4 antes do sino mortal da sirene final soar no Olympia naquela noite. A arena lotada ficou absolutamente frenética, celebrando um triunfo vazio naquela que talvez tenha sido a mais gélida era da história dos Red Wings.

Está registrado na história da NHL que o Quebec Nordiques penou durante os primeiros anos da década de 90, tanto no gelo como nas bilheterias. Recrutamentos inteligentes lhes deu um punhado de jogadores excepcionais — Joe Sakic, Owen Nolan e Mats Sundin são os mais representativos entre eles — e trocas que sacudiram o elenco e trouxeram para o time jogadores como Mike Ricci, Sandis Ozolinsh, Patrick Roy e Peter Forsberg colocaram a franquia no caminho rápido para a elite da NHL. A mudança do time para Denver em agosto de 1995 e, além disso, para a Conferência Oeste, estabeleceu o cenário para florescente rivalidade com os Red Wings, uma robusta franquia da NHL desde 1927.

Os Red Wings, enquanto isso, tiveram tempos tumultuados no início da década de 90. Rotineiramente eles tinham grandes temporadas regulares, somente para fracassarem nos playoffs. Esses fracassos custaram o trabalho do técnico Bryan Murray e Scotty Bowman chegou de Pittsburgh em 1993-94 para substituí-lo. Começou então o processo de Scotty, um dos mais notórios e meticulosos técnicos dos anais da NHL, moldando os Red Wings num time solidamente gravado na sua imagem.

Os Wings, a despeito das dominantes três primeiras fases dos playoffs, dançaram nas finais de 1995 contra o supostamente azarão, o New Jersey Devils. Era uma chance dos Wings vencerem a primeira Stanley Cup desde 1955.

Ao invés disso, os Devils trataram dos Wings com facilidade. Meros quatro jogos depois, os fiéis torcedores de Detroit estavam novamente planejando um longo verão.

Na temporada seguinte, os Red Wings estabeleceram um recorde histórico de vitórias numa única temporada, com 62. Foi durante os playoffs de 1996 que a rivalidade entre Avs e Red Wings floresceu em cheio. Em 29 de maio de 1996, com os Avs vencendo por 3-2 em jogos nas finais de conferência, eles dominavam os Wings no jogo 6, em Denver. Caminhando para o fim da partida, Claude Lemieux, do Colorado, falhou em diminuir o ritmo quando se aproximou de Kris Draper, do Detroit, que estava de frente para as bordas na zona neutra. O tranco resultante custou alguns dentes a Draper e quebrou sua mandíbula. Ele teve de se submeter a uma abrangente cirurgia para reconstruir sua face. Os Wings estavam pálidos e prometeram vingança. Ainda assim, os Wings tiveram todo o verão para ruminar sobre o tranco, enquanto os Avs seguiam rumo à conquista da primeira Stanley Cup de sua história. Mas o primeiro tiro havia sido dado. A batalha havia começado.

A rivalidade teve seu momento mais feio em 26 de março de 1997, quando os Wings receberam os Avs numa tarde quente de sábado. Os então campeões abriram uma vantagem de 4-1, mas os Wings seguiam na cola. O grande momento ocorreu quando Darren McCarty exigiu vingança pelo tranco de Lemieux no amigo dele, Draper. Lemieux posicionou-se como uma tartaruga e a briga seguiu. Patrick Roy chegou carregando o mais volumoso equipamento na liga e começou a brigar com o goleiro dos Wings, Mike Vernon. Todos no gelo se envolveram durante a melhor e mais quente briga da NHL nos anos 90.[*]

[*Nota do tradutor: na realidade a partida foi disputada numa quarta-feira à noite e a vantagem máxima dos Avs na partida foi de 4-2 e 5-3]

O rosto de Roy estava sangrando e atitude tartaruga de Lemieux de nada adiantou para encarecê-lo junto aos colegas, que freqüentemente tinham de brigar nas batalhas que ele iniciava. Depois da partida, que os Wings venceram na prorrogação com gol de McCarty, o atacante do Avs Mike Keane chamou os Red Wings de "time covarde".

Aquele time covarde venceu a Stanley Cup naquele ano (derrotando os Avs em seis jogos durante as finais de conferência) e a maioria dos jogadores dos Wings apontou aquele jogo do fim de março como o ponto de virada.

Na temporada seguinte, os goleiros de ambos os times brigaram novamente (desta vez o goleiro dos Wings era Chris Osgood), mas nunca tiveram a chance de se reencontrarem nos playoffs, quando os Wings venceram a segunda Copa consecutiva. Pior para a NHL.

Nas duas temporadas seguintes, a rivalidade entre Avs e Wings entrou em fogo brando, mas nunca se enfureceu. Os Avs tiveram uma relativa facilidade em derrotar os inferiores Red Wings nos playoffs em ambos os anos, e a falta de intensidade naquelas séries foi uma marca contrastante com os entreveros anteriores. De fato, alguns combatentes se foram. O técnico Marc Crawford, Keane, Lemieux e Ricci foram despachados de Denver e Vernon e alguns outros Wings também se foram.

Os técnicos dos times, Bob Hartley e Bowman, tiveram uma rixa contínua. Num ano, Hartley acusou Bowman de mandar pintar o vestiário dos Avs na arena Joe Louis durante os playoffs, possivelmente prejudicando os jogadores com uma tinta nociva. Outra vez, Hartley começou a ir aos treinos dos Wings, aparentemente para colher alguma informação sobre o plano de jogo deles, mas provavelmente para pegar no pé de Bowman.

Na última temporada, com mais um novo goleiro dos Wings (dessa vez Dominik Hasek), os times elevaram o nível de intensidade em alguns pontos. Numa partida no fim da temporada em Denver, Roy fez objeção a uma exuberância de Kirk Maltby na área do Colorado e começou a esfregar a cara dele no seu equipamento pra lá de grande. Numa cena aparentemente largada no chão da sala de cortes do filme Slapshot, Hasek veio pesadamente se movimentando pelo gelo para se juntar ao tumulto. Assim que ele chegou à rede do Colorado, tropeçou num taco, escorregou e deslizou para o gol. O drama do momento foi abolido pelo efeito cômico de se assistir os dois maiores goleiros da história enrolados juntos dentro da rede.

A série de final de conferência do ano passado foi uma obra prima e permanece como uma das maiores séries de playoffs já vistas. Os Wings perderam dois jogos na prorrogação em casa e os Avs um. Os Avs tiveram a vantagem de 3-2 na série quando se preparavam para o jogo 6 em Denver.

Entretanto, o gosto de Roy pelo exibicionismo custou ao time uma vitória. Depois de uma feroz disputa na frente de seu gol, Roy levantou sua luva triunfantemente, imaginando que o disco estava nela. Infelizmente para o time dele, o disco estava na área, ao menos até que Brendan Shanahan o empurrasse para dentro da rede. Hasek fechou o gol para os Avs no resto da partida e o jogo 7 surgiu.

E assim foi; o mundo do hóquei estava alvoroçado dois dias antes do jogo 7 em Detroit. Muitos observadores imaginavam que o jogo seria decidido por um gol apenas, talvez até mesmo na prorrogação. Era realmente provável; todos os jogos anteriores haviam sido apertados.

O improvável ocorreu, os Wings venceram por 7-0 e tiraram Roy do jogo. É impossível explicar o que aconteceu, exceto dizer que o Detroit veio com mais fogo nos olhos que o Colorado. O primeiro período terminou com 4-0 para os Wings. Trata-se de uma montanha muito dura para qualquer time escalar.

Mesmo que os Wings tenham vencido a Copa contra um recém-chegado à grandiosidade time do Carolina, as finais de conferência contra o Colorado eram o que todos mais se recordavam sobre os playoffs de 2002. Até os índices de audiência na TV foram maiores naquela série.

O que nos traz ao presente. Recentemente, eu sentei na sala de imprensa, no alto da arena Joe Louis numa tarde de sábado, quase exatamente seis anos depois do dia da grande briga entre esses dois times. Era um grande jogo naquele dia, já que ambos os times estavam competindo por uma posição nos playoffs.

O jogo foi decepcionante. Os Wings venceram por 5-3 e a habilidade esteve em mais evidência do que estiveram a paixão ou a intensidade. Somente cinco penalidades menores foram marcadas durante a partida.

Isso significa que a rivalidade acabou? Definitivamente não. Algumas vezes a rivalidade sai de folga, mas nunca vai embora. Sakic disse após o jogo que ele certamente espera que Wings e Avs se encontrem nos playoffs deste ano. É melhor que a NHL espere isso também. Diga o que quiser sobre estar cansado de ver esses dois times com tanta freqüência nos playoffs, mas é exatamente disso que o hóquei precisa. Você não precisa ser um torcedor de Detroit ou Colorado para reconhecer um hóquei de alta qualidade.

Em meus pensamentos, algumas vezes imagino os Seis Originais jogando uns com os outros por 14 vezes num ano e odiando um aos outro com paixão. Eu os imagino passando uns pelos outros no vagão de jantar do trem que os leva para Toronto, ou Montreal, ou Nova York para uma segunda partida, ou uma série com um jogo na casa de cada um, e olhando de cara feia, jurando e ameaçando fisicamente cada um ou pior.

Eu sou de um tempo quando jogos de hóquei significavam alguma coisa toda noite, quando reputações e o direito de se gabar estavam em jogo em cada turno. Na minha cabeça, eu evito pensar sobre jogos em janeiro entre Anaheim e Tampa Bay porque é doloroso demais contemplar. Com 30 times espalhados pela América do Norte e um calendário de 82 jogos que praticamente não dá qualquer atenção à tradição (os Red Wings não foram a Montreal, Nova York e Boston nesta temporada), rivalidades como a batalha Colorado-Detroit representam o melhor que a liga tem a oferecer.

E talvez sua última boa chance de sobreviver.

Ted Montgomery escreve sobre hóquei para o USATODAY.com. Clique aqui para ler as colunas dele (em inglês).
RIVAIS Chris Chelios se enrosca com Darius Kasparaitis, interrompendo uma celebração dos Avs nos playoffs de 2002 (Rebecca Cook/Reuters)
 
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Página publicada em 2 de abril de 2003.