Edição n.º 29 | Editorial | Colunas | Jogo da semana | Notas | Fotos
 
17 de janeiro de 2003
Salvem os Senators!

Por Marcelo Constantino

É absolutamente imprescindível para a NHL salvar os Senators. O fato de ser uma franquia cujo time é do Canadá e de ser uma equipe tradicional são dois motivos mais que suficientes para isso. Fosse uma franquia inexpressiva, como um Tampa Bay Lighting da vida, por exemplo, a falência até faria um bem à liga.

Diversas bocas pequenas dizem que não há como salvá-los, tal qual o Buffalo Sabres. Seria uma pena, mas há um cenário ainda pior: a franquia saindo de Ottawa para uma cidade americana, seja ela qual for. Mais uma vez, o caminho inverso do que deveria ser. Hóquei é essencialmente canadense, não americano.

Sair do Canadá para os Estados Unidos poderia repetir o caso do Quebec Nordiques, franquia que tinha um forte time em 1995 e mudou-se no ano seguinte para Colorado, onde sagrou-se campeã imediatamente. O Avalanche hoje é uma sólida franquia da liga, tudo bem, mas sem essa de acabar com mais um time canadense.

É necessário algum plano para salvar a franquia, e também para que ela permaneça em Ottawa. Uma das alternativas que sempre vêm à tona é a famosa ajudinha estatal ao time que está na bancarrota. É discutível o ato de utilizar o dinheiro do contribuinte para ajudar um grupo empresarial em apuros. Possivelmente há outras prioridades públicas. No Brasil, isso deveria ser um acinte, embora ocorra com naturalidade desde que os portugueses colocaram os pés aqui. No Canadá é problema dos contribuintes de lá.

Depois que a franquia entrou em concordata, a palavra de ordem agora em Ottawa é lotar o Corel Centre, estádio onde o time realiza seus jogos em casa. Não somente na próxima partida, mas passar a lotar sempre. Assim, como se fosse mágica, de um dia para o outro, porque o dono do time está pedindo. Passou a ser a salvação da franquia.

Antes de mais nada, é inaceitável que os Senators não consigam facilmente lotar sua arena. São, de longe, o time canadense que menos vende ingressos. Se em Toronto os torcedores comprariam ingresso até para ver os jogadores dormindo de boca aberta, porque em Ottawa os bilhetes para os jogos não são disputados?

Vamos raciocinar. Trata-se de um dos (cada vez mais raros) times canadenses na NHL. Hóquei é o esporte número um no Canadá. Os Sens fazem uma tremenda temporada, liderando toda a liga. Enfim, porque raios a torcida local não lota o estádio? Temporada normal é feita para isso, para pagar salários dos jogadores, é uma das maiores fontes de receitas dos clubes. Por isso são 82 jogos. A média de público, pasmem, fica abaixo dos 80%.

Ainda assim, a culpa da quebra da franquia não é dos torcedores. Como diversos outros times na NHL, o Ottawa vem aumentando consideravelmente o preço dos ingressos no seu estádio, e isso num momento em que as economias da América do Norte encontram-se em retração. Jogar a culpa da má administração financeira da sua empresa nos clientes que não compram seu produto, ainda que seja de boa qualidade, é fácil, mas esconde a realidade: você não está conseguindo vender seu produto.

Com receitas em dólares canadenses e despesas em dólares americanos, os clubes do Canadá já precisam administrar suas finanças com este desequilíbrio cambial previsto no orçamento. Mas não é só isso, infelizmente há um desnível também na cultura capitalista de ambos os países. Os americanos conseguem transformar qualquer coisa em negócio e com o esporte não é diferente.

Enquanto a franquia dos Senators passa maus bocados no país do hóquei, com uma folha salarial baixa e com o time no topo da liga, algumas franquias americanas em cidades onde o hóquei deve até ser algo exótico seguem relativamente bem, com folhas salariais igualmente baixas e campanhas medíocres. Ah, e estádios que nunca ficam cheios também.

Nos EUA, há estádios que são substancialmente mantidos por taxas cobradas de hotéis e restaurantes que ganham um bom dinheiro com o número de clientes advindo dos jogos; cerca de metade dos times cobram uma taxa também dos jogadores para manutenção dos estádios (Calgary e Edmonton também o fazem); a loteria paga royalties aos clubes (o que não ocorre no Canadá); etc.

Há diversos caminhos para financiamento dos clubes, não apenas do Ottawa e do Buffalo, sem precisar voar sobre as carteiras dos torcedores. A primeira solução seria um diálogo construtivo entre a liga e a associação dos jogadores e um novo acordo coletivo, o que deverá ocorrer em menos de dois anos. Isso se não houver a tão esperada greve.

Há uma dúzia de outras iniciativas que deverão ser exploradas (teto salarial, revisão das regras de passe livre, teto orçamentário, etc.) e que não são negativas para o time, para cidade ou para o país. Hóquei é o primeiro esporte nacional no país, não é possível que sigamos olhando os clubes canadenses em declínio incessante.

Será necessário criar uma estrutura diferenciada para os seis times canadenses. Se um deles tenta colocar um preço de um produto num valor equivalente ao dólar americano, quem paga por isso, e caro, é o consumidor, o torcedor. Isso não é certo, será necessário uma solução diversa.

Por ora, a busca é de uma solução para a franquia dos Senators, que felizmente seguem jogando bonito na liga.

Alguém consegue imaginar um Ottawa Senators campeão da Copa Stanley e quebrado financeiramente?

Marcelo Constantino recomenda a todos a leitura dos dois volumes disponíveis das "Ilusões Armadas", de Elio Gaspari.
COREL CENTRE O estádio do Ottawa, com o tradicional símbolo dos Senators, está em perigo (ottawasenators.com)
Edição atual | Edições anteriores | Sobre The Slot BR | Contato
© 2002 The Slot BR. Todos os direitos reservados.
É permitida a republicação do conteúdo escrito, desde que citada a fonte.
Página publicada em 15 de janeiro de 2003.