31 de julho de 2002
Giesbrecht: A dois anos do apocalipse

Por Alexandre Giesbrecht

Estaríamos à beira do abismo? Bobby Holik por US$ 9 milhões ao ano? E por cinco anos? Robert Lang por US$ 5 milhões ao ano?

Holik não é muito mais que um central de linha de pressão. Lang tem-se mostrado um grande jogador, mas só desabrochou mesmo nas últimas duas temporadas, depois de ficar apagado por anos. Apesar de tudo isso, foram para Rangers e Capitals, respectivamente, ganhar mais que Tony Amonte, dos Coyotes, e Alexei Kovalev, dos Penguins, duas estrelas. No caso de Holik, ele vai ganhar o equivalente aos dois juntos.

A falta de playoffs (cinco anos e contando) dos Rangers todo ano leva-os a assinar contrato com alguns dos agentes livres mais caros do mercado. Sem sucesso. Por que os Rangers fazem isso? Bem, porque eles podem. E por que eles podem? Aí a questão complica-se um pouco.

Muitos têm falado sobre um teto salarial na liga a partir de 2004, quando o acordo coletivo de trabalho (ACT) atual expirará. O teto salarial já existe na NFL (National Football League) e tem tornado uma liga de sucesso em... uma liga de mais sucesso. Este, aliás, é um dos principais motivos citados para defender a adoção do teto pela NHL.

O problema é que o teto salarial nivela por baixo. Com um teto salarial, mesmo que os salários parassem de crecer numa proporção geométrica, os times poderiam ter menos estrelas em seus elencos. Isso poderia fazer o interesse pelo hóquei cair em algumas cidades.

"Eu não acho que um teto salarial seja bom e ponto", diz Erik Johnson, torcedor de (e do) Pittsburgh, presença freqüente na lista de discussão dos Penguins e principal consultor na confecção desta matéria. "Ele promove a mediocridade. Os times que fazem as coisas 'certas' e constróem a partir de jovens jogadores ainda vão acabar tendo de trocar jogadores porque não vão conseguir deixar todo mundo dentro do teto".

Para ele, a solução é uma melhor divisão de receitas, fazendo os donos de times pagar por qualquer despesa "extra" dos seus próprios bolsos, ao invés de tirar das receitas dos times. Hoje a única divisão de receitas que ocorre é a de mercadorias vendidas. Quando um torcedor de Calgary, por exemplo, compra uma camisa de Jarome Iginla, ele está contribuindo tanto para os Flames quanto para o Tampa Bay Lightning (e os Rangers).

As mudanças teriam de ser drásticas para trazer de volta a competitividade que costumava existir na NHL, quando times de cidades pequenas e médias podiam competir em pé de igualdade com os times mais ricos, de cidades grandes.

Entre 1984 e 1993, tivemos dez títulos seguidos de times hoje considerados "mercados pequenos" (cinco do Edmonton, dois de Pittsburgh e Montreal, e um de Calgary). Hoje isso seria impensável, já que temos sempre os mesmos times competindo, todos de "mercados grandes": Colorado, Dallas, Detroit, Rangers, New Jersey e Philadelphia. Como se pode ver, temos aqui os nove últimos campeões, mais o Philadelphia.

Os seis, obviamente, não querem que o sistema mude. É claro, assim eles permanecem com chances concretas de título ad eternum. É mais ou menos como se tivéssemos voltado aos tempos dos "Seis Originais", mas pior, já que os demais 24 times sofrem sem ter possibilidades reais de conquistar a Stanley Cup.

Os outros times poderiam tentar mudar alguma coisa, mas eles enfrentam um sério problema: a possibilidade de perder mais meses de hóquei que na temporada de 1994-95, que só começou em 20 de janeiro de 1995 — três meses e meio depois do previsto. Sempre é bom lembrar que as receitas de bilheteria não são divididas, daí o fato de a maioria dos clubes ter inaugurado novos (e mais rentáveis) estádios na última década.

Essa eventual parada traria prejuízos incalculáveis para todos os clubes e alguns não teriam como se recuperar no médio prazo. Os Penguins, por exemplo, tinham as finanças em ordem até o locaute de 1994. Pouco mais de três anos depois, pediram concordata e foram salvos por um fio.

Para daqui a dois anos, é cada vez mais provável que tenhamos um teto salarial. Vários clubes, como o Colorado, estão se preparando para isso, deixando de investir alto no mercado de agentes livres e o teto é citado freqüentemente em entrevistas. Geralmente, o cenário parece calmo, mas às vezes escutamos alguma declaração prevendo o apocalipse e é esse tipo de declaração que preocupa.

Como a do gerente geral Pat Quinn, do Toronto: "O que aconteceu nesse negócio? De onde está vindo o dinheiro? Quando isso vai parar? Chegamos a um ano como este, quando vemos contratos de cinco anos a US$ 9 milhões por ano. Existem maneiras de tocar negócios. E é por isso que vai haver um locaute. Porque não estamos tocando bem o negócio".

Só para constar, esta declaração custou US$ 100 mil aos bolsos de Quinn.

Alexandre Giesbrecht, publicitário, receia que vá ficar sem hóquei por um bom tempo a partir de outubro de 2004.
 
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Página publicada em 29 de julho de 2002.