8 de maio de 2002
Giesbrecht: Jogo da verdade -- ou da mentira

Por Alexandre Giesbrecht

A competitividade dos playoffs da NHL começou antes mesmo dos jogos, quando o central Alexei Yashin, dos Islanders, foi poupado das últimas quatro partidas do time na temporada regular e de vários treinos, por causa de algo que o time chamou de "contusão na virilha" -- uma pegadinha que no mundo do hóquei pode ser traduzida como "dedo do pé quebrado" ou "pescoço distendido". "Se um time fala que a contusão é no pé do cara, provavelmente é no seu ombro", conta o atacante Kris Draper, dos Red Wings, sobre a amplamente aceita prática da NHL de disfarçar contusões.

Talvez Yashin, que foi mal nos dois primeiros jogos da pós-temporada contra os Maple Leafs, não estivesse na verdade sentindo dores na virilha ("Não estou autorizado a dizer", resumiu). Talvez o central Robert Reichel, dos Leafs, tenha mesmo perdido um dos jogos por "contusão na perna". Talvez o central Joe Nieuwendyk, dos Devils, tivesse mesmo um "vírus no estômago" quando ficou de fora da primeira partida contra os Hurricanes. Não há como saber. A lista oficial de contusões da liga tem mais enganações que uma negociata no Senado. Até há pouco tempo, Milan Hejduk, do Avalanche, estava de fora "indefinidamente" devido a um "entorse abdominal". O técnico do time, Bob Hartley, só falava que "assim que soubermos de alguma coisa, vocês serão os primeiros a saber", que sempre dispersava outras perguntas a respeito.

O motivo da falsidade é claro: os times não querem que os adversários saibam onde seus jogadores estão mais vulneráveis. "Eu não vou necessariamente tentar machucar um cara se souber onde ele está contundido", revela Doug Gilmour, atacante peçonhento dos Canadiens. Ao dizer isso, ele pausou e tentou segurar o riso. "Mas pode ter certeza que eu vou dar uma pancadinha extra onde dói".

Quando os Stars estavam jogando contra o Avalanche nos playoffs de 1999, o serviço de inteligência do Dallas descobriu que Peter Forsberg, do Colorado, estava com o ombro esquerdo ruim. "Sabíamos do estado, então demos uns choques a mais", recorda-se Mike Keane, então atacante do Dallas. Forsberg foi operado depois da série.

A política da NHL requer que os times divulguem a "natureza aproximada" das contusões, mas também tem uma brecha por onde se pode passar com um Zamboni: se um time recear que, ao revelar uma contusão, pode colocar em risco um jogador, pode "dar uma visão mais generalizada das condições do jogador".

"Os times podem, basicamente, dizer o que quiserem", diz o porta-voz da NHL, Frank Brown. "Eles só têm de dizer alguma coisa".

Como são diferentes as coisas no futebol americano, o outro esporte em que uma parte do corpo contundida pode ser legalmente atacada. A NFL faz os times submeter dois relatórios detalhados de contusões por semana e pune clubes que descumprirem a ordem com multas de até US$ 25 mil, fazendo tudo isso em nome do que o porta-voz Greg Aiello chama de "manter a integridade do jogo". Por integridade entenda-se ter certeza de que todos os envolvidos sabem o que está acontecendo. De acordo com Aiello, revelar as contusões "elimina a oportunidade de alguém se beneficiar de informação exclusiva, o que poderia estar relacionado com atividades de apostas".

A NHL, que atrai muito poucas apostas, não adere a essa honestidade. Às vezes, contudo, as pessoas são pegas na mentira. Nos playoffs passados, o técnico Scotty Bowman, dos Red Wings, declarou que Steve Yzerman estava cuidando de uma perna dolorida. Acontece que Yzerman contou aos repórteres que tinha um "dedo quebrado". Depois dos playoffs, Yzerman revelou que também estava com a tíbia esquerda fraturada.

Quaisquer que sejam os fatos sobre as contusões neste ano, a verdade não aparecerá até depois dos playoffs -- se aparecer. Enquanto isso, só podemos torcer por escorregadas como esta, de 1990, quando o central Brent Sutter, dos Islanders, perdeu um treino durante a série contra os Rangers. Sutter foi derrubado ao gelo várias vezes no jogo anterior, mas quando os jornalistas perguntaram o que o incomodava ele ficou em silêncio e pediu licença para reunir-se com o médico do time. Instantes depois, ele voltou. "Estou resfriado", anunciou.

Alexandre Giesbrecht, 26 anos, já leu muito sobre este assunto, então resolveu que era sua hora de escrever sobre isso.
FOI NA VIRILHA MESMO? Alexei Yashin (à direita) esteve contundido, mas ninguém sabe se foi na virilha mesmo (Mike Segar/Reuters - 28/04/2002)
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Página publicada em 6 de maio de 2002.